É com um imenso desgosto e desprazer que digo para manerarem suas expectativas para a série Wandinha que chega na Netflix.
Sem dúvidas, a atração é um triunfo visual digno de Tim Burton, onde sua presença e estética é notada muitas vezes, e principalmente nos episódios que são comandados por ele, onde Wandinha, por isso, acaba por ser uma das séries mais caprichadas da Netflix nesse quesito. Outro ponto da atração que também vale ressaltar é que temos o fator Jenna Ortega, num excelente ano e sua terceira produção de terror seguida, que foi brilhantemente escalada como Wandinha Addams, onde aqui comanda uma presença em tela fascinante e está perfeita como a personagem imortalizada por Christina Ricci nos anos 90.
Ortega pega um ótimo texto e se garante, e muito, como Wandinha. Mas a série em si tem altos e baixos gigantes. O que é uma pena. Os momentos bons quando estão ali, são muito bons, e os mais ou menos, e os ruins, apenas desviam a atenção e estragam o baita potencial daquilo que a atração deveria ser, incondicionalmente e irrefutavelmente, um dos maiores acertos do ano. O que não é.
Wandinha entrega um mistério desinteressante e pouco empolgante de se acompanhar e eu, particularmente, achei que a história que a série oferece acaba por ser pouco formulaica e que não acerta em nos ambientar para o tom mais sombrio e irreverente que é esperado para uma produção da Família Addams.
E aí que esteja o maior problema que Wandinha sofre. Talvez, nem seja a ambientação escolar O Mundo Sombrio de Sabrina, com Riverdale, com tons de Harry Potter salpicados aqui e ali, claramente colocados em Wandinha para tentar agradar o espectador da Netflix, ou a ideia que essa versão de Wandinha tenha poderes sobrenaturais, e sim, que a série realmente não consegue entregar uma história digna desses personagens.
A caracterização é perfeita sem dúvidas, desde da cara pálida, as vestes pretas, e do olhar maníaco que Ortega imprime para a protagonista, ou até mesmo da figura fraternal de Gomez (Luis Guzmán, ótimo), do olhar sedutor, mas perigoso de Mortícia (Catherine Zeta-Jones) e do divertido e amalucado Tio Chico (Fred Armisen que aparece lá nos episódios finais). Mas tudo ao redor da personagem, e fora do eixo familiar Addams em Wandinha soa tão batido e repetitivo que é difícil conseguir conectar esses icônicos personagens, aqui nessa trama que é apresentada na série.
Pois se você tirar os personagens Addams da equação e colocar Wandinha como se fosse uma história com qualquer outra personagem, sem estar vinculada com o nome Addams, que daria no mesmo. A trama, o mistério central, e tudo mais não mudaria, mas claro que temos isso para garantir o interesse do público. É como os diversos filmes que pipocaram por aí com nomes de franquias famosas mas que não estavam exatamente conectadas com elas, seja o novo Jumanji ou o novo Homens de Preto, por exemplo.
Wandinha estruturalmente só empresta o nome de Wandinha e dos Addams para contar essa história, e raramente nos entrega aquele ar mais sombrio sem deixar de ser engraçado que a família é marcada. Mas temos que trabalhar com o que temos, não é mesmo? Uma mãozinha carismática, a ótima Wandinha de Ortega, uma escola de magia e bruxaria, digo, para pessoas com habilidades sobrenaturais, chamada Nunca Mais e sua diretora linha dura Larissa Weems (Gwendoline Christie maravilhosa em seu segundo papel de destaque no ano) e também uma cidade cheia de mitologia, rituais, e segredos.
Acho que os primeiros episódios de Wandinha, 1×01 – Wandinha é só desgosto e 1×02 – Desgosto Solitário, conseguem vender bem o que vai ser a série e Ortega realmente deslumbra como a personagem e nos faz querer passar mais tempo com essa Wandinha, sem dúvidas.
Mas ao colocar Wandinha para interagir com todos os outros personagens, principalmente, os colegas de colégio, deixam o seriado com um ar super cansativo e que já vimos essa história em diversas outras produções ao longo dos anos. A relação de Wandinha com a colega de quarto alegre e efusiva, a lobisomem Enid Sinclair (Emma Myers) no começo é uma relação bacana de ser assistir, uma coisa Glinda e Wicked, mas o seriado talvez nunca se aprofunde no relacionamento das duas o tanto como deveria. Nem mesmo de Wandinha com Eugene (Moosa Mostafa), o colega que gosta de animais, uma espécie de Hagrid para a série, é tão bem desenvolvida assim.
Os diálogos, como falamos, normalmente são muito bons, e Ortega os entrega de uma forma empolgante, mesmo quando Wandinha esteja da forma mais neutra possível, seja com os colegas, com a diretora de Christie, com o Xerife da cidade, ou com a terapeuta Dra. Kinboot (Riki Lindhome) que ela é obrigada a compartilhar detalhes de sua vida.
E claro, como uma boa série teen, temos casinhos amorosos para a personagem que oscila aqui entre o sobrenatural Xavier (Percy Hynes White) com seus quadros e desenhos, e o “normal” Tyler (Hunter Doohan) que trabalha na cafeteria local, a colega rival, e mean girl em potencial, a sereia Bianca (Joy Sunday), e claro, bailes com a presença dos professores liderados pela Srta. Thornhill (Christina Ricci).
A trama mesmo com todos esses problemas narrativos vai numa crescente até o 1×04 – Noite de Desgosto (um dos melhores da temporada), onde o baile Rave’N, uma tradição da escola Nunca Mais claro é pano de fundo para os acontecimentos que envolvem um ser gigante sobrenatural assassino com olhos arregalados que tem atacado na região e tirado o sono do Xerife Galpin (Jamie McShane) e do Prefeito Walker (Tommie Earl Jenkins).
O tal ser também é o foco da investigação de Wandinha que precisa cair de cabeça e se aprofundar cada vez mais na história da cidade de Jerico (onde o colégio é vizinho) e do seu fundador Joseph Crackstone que parece ter uma conexão com a jovem e a família Addams que demora para ser resolvida e é diluída ao longo da temporada, só para voltar de uma hora para outra a ser o foco nos episódios finais.
Na segunda parte da temporada, Wandinha começa a atirar para todo lado na medida que as pistas levam a personagem para alguns caminhos duvidosos, narrativamente falando, onde a trama planta seus mistérios para serem resolvidos por Wandinha, ao mesmo tempo que coloca a trama mais teen em funcionamento, onde vemos a jovem, perceber que, talvez, exista espaço para amigos, e quem sabe um amor, em sua vida. A forma como Ortega vai por criar essa evolução para a Wandinha é muito interessante, mesmo que o seriado fique preso em nunca dar para a atriz colegas que realmente se nivelam com o talento que é entregue aqui.
Claro, Christie e Ricci até fazem isso, mas no cenário geral, marcado por visões sobrenaturais e conclusões antecipadas para as pistas que o mistério oferece, tudo é muito fraco do que o esperado e sem empolgação de se acompanhar. É como se Wandinha fizesse o espectador tentar adivinhar as pistas que Wandinha tem em mãos, e com a ajuda da Mãozinha, mas ao mesmo tempo não consegue trabalhar seus mistérios de uma forma interessante para o espectador queira embarcar na jornada, pois coloca diversas outras subtramas para serem desenvolvidas, e quando realmente foca no mistério principal, tem apenas 2 episódios para desenvolver e amarrar tudo.
Claro, o 1×08 – Confrontando desgostos finaliza a trama de uma maneira satisfatória, mas também, talvez, seja pelo fato que a série tenha passado outros 6 episódios nos marinando e entregando pistas e desvios irritantes. A série finaliza em boa nota, mas é preciso passar alguns momentos bem difíceis para chegar nesse final.
E no final das contas, fica claro que Wandinha brinca com uma propriedade intelectual que já por si é bastante única e diferente, mas ao tentar dar uma nova roupagem para ela, apenas vai por um caminho que não deve agradar 100% do público, e os fãs dos Addams e o que eles representam. Afinal, por mais que tenhamos uma Jenna Ortega incrivelmente boa como uma das personagens mais icônicas do cenário pop, a série decepciona um pouco e para mim, isso aconteceu de uma forma tão rápida, como se fosse num estalar de dedos.
Wandinha chega em 23 de novembro com 8 episódios.