Não dá para negar que a temporada cinco de The Crown é uma de transição e de significativas mudanças. É o começo do final para a série, e por isso, nos entrega algumas modificações do que vimos nas temporadas anteriores, sem dúvidas. Mas mudanças podem ser boas? Pergunte isso para a líder de uma das instituições mais antigas do mundo.
E os novos episódios de The Crown chegam com novos atores, com a trama mais próxima dos dias atuais, e com o tema constante sobre a necessidade de uma modernização da monarquia que à beira de um colapso que apenas entregam uma nova safra de novos episódios dos mais impecáveis possíveis e dentro do padrão que a série vem, ano após ano, a entregar desde de sua estreia lá 2016.
E desde de então, The Crown nos entrega essa novelização da história dos anos do Reinado de Elizabeth II e mostrou de forma ficcional altos e baixos (do ponto de vista de Sua Majestade, claro), com uma grande dose de realidade, eventos que realmente aconteceram aos olhos do público e da grande mídia. São fatos, as coisas aconteceram, e estão amplamente documentadas para qualquer um procurar. Mas o mais interessante é que The Crown nunca foi 100% uma série wikipédia, a graça e onde a atração criada por Peter Morgan sempre triunfou, ao lado de lado estético visual e ótimas atuações, foi em recriar cenas fora dos holofotes, de como esses personagens, e as pessoas reais que eles representam, intimamente viveram os momentos chaves que são retratados.
Morgan acerta novamente ao criar uma dramatização para momentos as portas fechadas, onde que no final, o que foi dito, o que levou as coisas a serem ditas, e suas consequências, afetaram não só quem estava presente ali, mas também a vida de outras pessoas. O que realmente foi dito, na vida real, só as pessoas que estavam lá sabem.
E a palavra chave em The Crown temporada 5 é realmente transição. A atração voltou magnífica e realmente é a joia da coroa da Netflix por 5 temporadas e não poderia ter voltado em melhor hora, aqui no mundo real, com nos primeiros meses do reinado do Rei Charles III. E a forma como a atração espelha seus eventos com metáforas é muito bem vista em termos narrativos e deixa a atuação desse novo elenco muito mais interessante de se acompanhar.
Nova temporada, nova década, e uma nova velha Rainha. A atriz britânica Imelda Staunton assume como Rainha Elizabeth II deixando claro como o peso da Coroa nesta temporada a afetou. E Staunton consegue majestosamente passar esse semblante cansado para a monarca na medida que os anos 90 avançam e seus 40 e poucos anos de reinado, e de casamento, são refletidos em boa parte dos episódios dessa nova safra de The Crown.
Staunton, como suas antecessoras, tem ótimos momentos ao longo da temporada com discussões interessantes sobre a questão do seu dever com a instituição que ela representa, que ela é a figura principal, e que se vê na mira para mudanças.
Ao longo dos episódios, Staunton dá para a Rainha momentos de reflexão sobre seu papel como a monarca com paralelos importantes sobre a rápida modernização do mundo ao seu redor. Aqui The Crown deixa claro que a Rainha parece não querer ou se importar em acompanhar e fica presa no passado, é a chamada Síndrome da Rainha Vitória que incrivelmente abre o quinto ano ao ser o título do 5×01, onde a atração se passa durante o período conhecido como Annus Horribilis (Ano Horrível e que dá o título para o episódio 4).
Se a monarquia representa o ideal máximo da família ideal, o que significa quando todos os relacionamentos da família real estão desmoronando? A monarquia, em si, como instituição, também está à beira de ruir. E não só em termos de casamentos que são destituídos, mas também do questionamento que algumas pessoas têm sobre a verdadeira função da família real em um mundo moderno.
E The Crown acerta, ao dar um sentimento de urgência para o tema, e trabalhar essas questões e suas indagações. Politicamente, The Crown se passa nos últimos anos do governo do partido conservador representados pelo primeiro ministro da vez, aqui John Major (Johhny Lee Miller), e no final do novo ano da atração vemos a chegada do Partido Trabalhador depois de anos fora da liderança, e também como a Rússia partiu de ser uma ditadura comunista para uma tentativa de democracia (vista lá no ótimo 5×06 – Ipatiev House).
E já do ponto de vista da sociedade, The Crown navega pela modernização dos meios de comunicação, a TV como o principal ponto de contato das massas, com novos canais que se proliferavam com uma presença mundial, onde temos um paralelo maravilhoso sobre a chegada da TV via satélite no palácio real, e a opção de vários canais, e não só da BBC, e também da agressividade maior dos tabloides, e claro, das tecnologias de captura de frequência de transmissão.
Essas últimas estão intrinsecamente ligadas para a parte onde The Crown ganha seu fôlego lá para seu meio, onde temos episódios totalmente focados no divórcio de Charles (Dominic West) e Diana (Elizabeth Debicki) que voltam a ganhar o destaque na trama, igual foi na temporada anterior. O combo de episódios 5×07- No Woman’s Land, 5×08 – Gunpowder, 5×09 – Couple 31 foca na dupla, e garante ótimas passagens para eles, principalmente para Debicki que realmente personifica Diana e continua o trabalho excelente que Emma Corrin fez na temporada anterior ao entregar uma Diana mais madura, menos contos de fadas, e mais calejada.
A doçura, o olhar melancólico, e o sentimento de caos interno que se passa com Diana já nessa altura da sua relação com o agora ex-marido é mostrado por Debicki em uma atuação que nos prende a atenção. Debicki flutua (mesmo com uma altura maior do que a Princesa na vida real e de seus colegas de elenco) em tela e toda vez que surge é uma coisa alucinante de se assistir. Desde dos momentos mais combativos, a cena do vestido da vingança, a preparação para a polêmica entrevista para a BBC, ou até mesmo uma conversa com Charles após o divórcio, Debicki garante ótimas passagens. E até mesmo os momentos mais reflexivos, mais tristes e melancólicos, afinal, o quinto ano de The Crown expõe sem escolher muito lado, a parte mais feia que existe em todo divórcio, e a tentativa de recolher os cacos e seguir a vida.
O mesmo vale para West que por mais bom ator que seja, parece que não consegue emular a figura de Charles como seu antecessor Josh O’ Connor conseguiu. Claro, o episódio dos telefonemas vazados entre ele e Camilla Parker Bowles (Olivia Williams) dá a chance de West ter um pouco de destaque na temporada, mas sinto que a personalidade mais carrancuda, mais introspectiva que o agora Rei passa para o público foi transformada para um personagem energético e cheio de vida. Talvez, anos de espera para ascender ao trono tenham dado essa impressão pública para o nobre, mas aqui em The Crown, a atração parece ter dado uma dose de maquiagem para o agora Rei.
Estruturalmente, The Crown segue o mesmo caminho de sempre, seu combo inicial foca na Rainha de Staunton com toda a questão do mega iate Britannia (outro paralelo bacana que Morgan faz na medida que temos a discussão sobre a embarcação ser aposentada), e nos apresenta também para todos as novas versões outros membros da família, e mais uma vez seus conflitos, como o Príncipe Consorte Phillip (um ótimo Jonathan Pryce), a excelente Lesley Manville assume como Princesa Margaret com um arco bem interessante no 5×04, temos também os jovens Príncipes William (Senan West) e Harry (Will Powell) já na adolescência e no meio do combate da Guerra entre o divórcio dos Wales e claro, a introdução de uma figura importante para a trama com a chegada na Inglaterra do egípcio Mohamed Al Fayed (Salim Daw) e seu filho Dodi Al Fayed (Khalid Abdalla) no ótimo 5×03 – Mou Mou que apenas reafirma a o sentimento de mudança que a sociedade inglesa passava na época.
No final, The Crown retorna com o mesmo charme de antes, onde figurinos, cenários, e a escolha de um elenco de peso, mostra que a atração ainda não perdeu seu fôlego e sua relevância no cenário pop das séries de TV, e assim como a Rainha, deve aguentar mais uma leva de episódios antes de chegar ao seu final que promete na próxima temporada passagens das mais trágicas possíveis na medida que agora chegamos em 1997 e a morte de Diana será um dos grandes temas do sexto e último ano da atração.
As cinco temporadas de The Crown estão disponíveis na Netflix.