Uma das maiores vertentes da Era de Ouro da TV americana, definitivamente, foram as séries médicas. E com a popularização da internet e os “pacientes” tendo a possibilidade de consultar sintomas, detalhes e até mesmo curiosidades sobre casos médicos, seja os mais simples, ao mais mirabolantes (e muito deles reais), as atrações tiveram que se virar nos 30 para conseguir prender a atenção do público que acompanhava esses programas.
E com o advento do streaming, as séries médicas veteranas se tornaram aposta fácil ao se tornarem um atrativo para novos assinantes e que procuraram alguma coisa já conhecida (e normalmente com muitos episódios disponíveis) nessas plataformas famintas por conteúdo e manter os clientes neles. E claro que em diversas salas de executivos em Hollywood, e também em diversos outros escritórios de canais de TV e dos recém chegados streamings ao redor do mundo, uma das ideias sempre foi a busca para achar um novo programa do gênero que se adequasse ao gosto do público e que conseguisse repetir essa fórmula.
Séries médicas, séries de advogados, de true crime, são projetos que realmente são os grandes queridinhos do público e das plataformas no momento. E sinto que Sutura é meio que essa culminação de diversos reportes de engajamento e análises de audiência que pipocaram nos últimos tempos. Afinal, em sua essência, Sutura é sim, uma série médica tradicional e padrão que alguns anos atrás poderia ter sido o carro de chefe de qualquer canal gringo.
A diferença aqui fica com os motivos que fazem a atração se destacar em ser “apenas mais uma série médica”. Primeiramente, é por termos a presença da talentosa Claudia Abreu, que tem retornado depois de uma pausa na carreira, em liderar o elenco como uma cirurgiã em um ponto bastante específico de sua carreira que tem que lidar com questões éticas e morais extremas. Abreu mistura um pouco de House, com Meredith Grey, e realmente faz de sua personagem o grande chamariz para a atração, e que sem ela nele, Sutura não seria cheia de charme como é.
E depois, acho que sim, Sutura também se destaca pelo tom frenético apresentado e por entregar uma trama mais abrasileirada que costura uma narrativa cheia de pequenas reviravoltas que prende atenção e atiça a curiosidade. É uma atração feita para o streaming que garante que fiquemos vidrados em saber o que vai acontecer na medida que as informações são dadas aos poucos, ao longo dos episódios.
Ao se passar no mundo da medicina, Sutura consegue navegar nessa história como se fosse realmente uma atração médica tradicional. Temos um hospital modelo, e escola, temos cirurgiões no melhor momento de suas carreiras e temos residentes que acabaram de entrar no mercado, são um pouco deslumbrados e acham que sabem tudo, e estão em busca de suas chances nessa competitiva, e cheia de pressão, profissão.
Mas, como falamos, o que é mais interessante em Sutura são as diferenças que a atração tem em relação a tudo que já vimos. E aqui, a mais gritante, é que, além de todo esse envelope de produção médica, temos uma outra série médica dentro dela. Afinal, a dra. Adriana Manchini (Abreu, excelente) é um dos nomes mais conhecidos e respeitados da medicina, mas foi afastada do cargo de chefe de cirurgia devido a um acontecimento grave que envolveu um colega de profissão.
Quando Sutura começa, vemos que ela está de volta, foi rebaixada de cargo, vive por bater de frente com o Presidente do hospital (Leopoldo Pacheco), precisa ver outro médico, o carismático Dr. Augusto (Gabriel Braga Nunes) na sua antiga posição e ainda mais, sofre com um problema de tremor nas mãos, que, claro, não é revelado para ninguém.
Junto com tudo isso, a nova turma de residentes chegou, onde Sutura gasta seu primeiro episódio em apresentar essa nova leva de funcionários para o hospital. Cada um deles com personalidade própria e com origens diferentes. Seja esforçado, e melhor aluno da residência, o jovem Ícaro (Humberto Morais, muito bem), pelo competitivo e com pinta de playboy Theo (Danilo Mesquita), e pelas amigas, sorridentes, e extremamente competentes Maya (Lara Tremouroux) e Anna (Juliana Paiva).
O que parecia ser, então, como falei, mais uma série com residentes bem apessoados, super inteligentes que competem com basicamente tudo para se destacarem, e que tem relacionamentos entre eles, ganha uma nova camada quando o jovem Ícaro vê seus problemas financeiros o impediram de concluir a faculdade e ele acaba por cair nas mãos de uma chefona do crime (a ótima Yara de Novaes) enquanto tenta ajudar o melhor amigo Fino (Elzio Vieira) a sair de uma furada.
Na medida que essa organização começa a mandar pacientes em situações de risco para serem atendidos no porão do hospital, tanto por Ícaro, quanto pela Dra. Manchini, uma clínica clandestina é “inaugurada” no prestigiado hospital de luxo em que todos eles trabalham. Sutura então ganha outra camada, novos ares, se torna mais um suspense médico do que somente um novo drama médico. Afinal, vidas sim estão em jogo, mas não só dos pacientes, e sim de Ícaro e Manchini, que começam a bolar uma forma de continuarem com essa clínica paralela ao trabalho deles nos andares superiores.
O mais interessante é que a cada episódio, pelo menos nos quatro primeiros que vi, a quantidade de revelações sobre esses personagens, seus passados, suas vidas, e o que aconteceu com eles e o que os levaram até esse momento que a trama se passa é o que guia a trama para frente.
Assim, Sutura além de conectar as histórias e as tramas dos pacientes do hospital, com os pacientes da clínica, ainda faz com que nós, os espectadores, descobrimos mais sobre o que tá rolando com esses personagens, na medida que explora essas relações de poder, de hierarquia, e como as vidas profissionais se misturam com as pessoais de uma forma completamente viciante e bacana de se assistir.
Ao apresentar uma história bem escrita, que envolve contar bons casos médicos, aliados com uma trama de fundo sobre esses personagens, Sutura sai um pouco do tradicional e do pasteurizado e evita repetir uma fórmula que entrega mais do mesmo. Pelo contrário, se destaca mesmo por sair do lugar comum e por mesclar dois universos diferentes na mesma narrativa. Para os fãs do gênero, definitivamente uma boa opção no meio de tantas, e uma extremamente maratonavel.
Sutura chega em 22 de novembro no Prime Video.