Depois de um tempo em alguns projetos mais ou menos, Jon Hamm está de volta, e de volta com tudo, com Seus Amigos e Vizinhos, a nova série da Apple que vem numa sequência boa de lançamentos, entre filmes e séries. E aqui adiciona mais um bom projeto no ano.

O vencedor do Emmy parece que conseguiu ao longo dos anos deixar a figura de Don Draper, de Mad Men, de lado, fez alguns trabalhos mais cômicos (alguns em parceria com Tina Fey) e voltou aos poucos para os papéis dramáticos com Fargo e The Morning Show (inclusive da própria Apple). E Seus Amigos e Vizinhos é o tipo de papel que precisava de um ator como ele para fazer funcionar, e olha só que curioso, é um que Hamm leva no papo e o ator está realmente sensacional aqui.
Claro, ajuda muito também o fato que o texto de Jonathan Tropper (que criou a série e lidera a sala de roteiristas) é também muito bom, e entrega um humor extremamente afiado e mais debochado, afinal, é por conta desse texto que serve como um veículo para tudo que a série, o ator, e o texto, quer passar, afinal, o protagonista que Hamm interpreta representa sim, a máxima do homem branco e o privilégio que isso vem acompanhado e está implícito nas entrelinhas.
Em Seus Amigos e Vizinhos conhecemos Andrew Cooper, um cara que vê um turbilhão de situações acontecerem em sua vida de uma hora para outra. Ele é demitido do fundo de investimento que trabalha num tipo de conflito pós-Era #MeToo, vê todo o seu dinheiro investido ir para o espaço, não conseguir emprego na área em nenhum outro lugar, e isso, tudo logo depois de ter se separado da esposa Mel (Amanda Peet) que o traiu com o seu amigo e astro de basquete Nick (Mark Tallman).
Seus Amigos e Vizinhos poderia muito bem cair num clichê cômico pastelão, mas a escrita é tão boa, os diálogos tão ágeis e perspicazes que Hamm consegue fazer com que ficamos do lado de Cooper mesmo quando ele tem a brilhante ideia de invadir a casa do vizinho e passar a mão em alguns relógios caríssimos e algumas notas de dinheiro enrolado em um armário quando a família que vive lá está de férias.
Como ele sabe isso? Os mesmos vizinhos falaram casualmente para ele, no meio de uma festa, que iriam viajar. Impulsionado com um sentimento de vergonha por estar literalmente no fundo do poço e por estar precisando de uma saída para o problema que criou, Cooper anda, sorrateiramente, no meio da noite, pela mansão no bairro em que ele vivia com a ex como se estivesse à procura, casualmente, de um banheiro num jantar com esses colegas.
O mais curioso é que nessa primeira noite, a polícia até dá uma passada na residência, bate na porta, pergunta se está tudo bem, e ele na maior naturalidade diz que mora na casa e tudo mais. O sentimento de impunidade e privilégio da sua condição social dá um gostinho especial para Cooper e, talvez, a direção de Craig Gillespie (Eu, Tonya, Cruella do inédito Supergirl) nos primeiros capítulos ajudam a dar esse sentimento de que estamos vendo alguma coisa muito boa mesmo.
E Seus Amigos e Vizinhos não tão sutilmente faz essa crítica social ao mesmo tempo que o coloca esse personagem em algumas situações bem doidas. Já que nesse meio tempo vemos esse cara de meia idade tentando se virar para conseguir um dinheiro extra com os relógios que ele começa a passar a mão. Ver o personagem tentando passar o relógio para frente sem nota fiscal, só no gogó e no charme é muito bom. E principalmente pela dinâmica entre Cooper e a dona da loja de penhor (Randy Danson) que está de olho nele e curiosa de onde vem esses relógios.
E Seus Amigos e Vizinhos consegue fazer um olhar para essa comunidade dos 1% de uma forma bastante divertida e certeira. Não é tão pirada quanto The White Lotus ou tão perto da realidade ou tem bons personagens quanto Succession mas tem seus méritos para expôr as extravagâncias desse grupo que até momentos atrás Cooper fazia parte.
Fora que a narrativa é construída aos poucos para chegarmos nas consequências dos atos do protagonista que parece que vai viver poucas e boas na medida que começa a se envolver com o submundo do crime e também trombar em segredos dos vizinhos das casas que ele invade.

A narração de Hamm para a história ainda deixa o sentimento que Cooper não é um narrador confiável muito grande na medida que vemos toda essa parte dos golpes, invasões e assaltos se misturaram com a narrativa do personagem e o relacionamento com o contador (Hoon Lee) com a ex, com os filhos, com a irmã (Lena Hall) com problemas mentais e que vai morar com ele, e a vizinha/amante Samantha (Olivia Munn).
Hamm segura a série sozinho, é o seu show e a trama promete escalonar muito lá na frente. Gostaria de poder falar mais, mas não posso. É um tipo de série que fazia tempo que não tínhamos no streaming, uma drama, com pitada de comédia, e uma mistura de Desperate Housewives e Big Little Lies só que com o foco em um homem branco cheio de charme.
No final, com Seus Amigos e Vizinhos temos a comprovação de que estamos mesmo em um bom semestre para Apple e a série faz definitivamente um bom projeto para Hamm que já estava começando a ficar marcado por parecer que só tinha entregado um bom projeto.
Seus Amigos e Vizinhos terá nove episódios e chega no Apple TV+, na sexta-feira, 11 de abril, com dois episódios, seguidos por um novo capítulo toda semana até 30 de maio.