Com o segundo ano, recém-finalizado no AppleTV+, fica claro que a queridinha do momento, Ruptura definitivamente entrou para o Hall de séries chamadas ”puzzle box” e ainda mais, uma muito boa de se querer montar e desvendar.
Afinal, ao longo dos anos, determinados tipos de atrações televisivas ganharam um nome e um gênero próprio para chamar de seu: Puzzle Box Show! Ou seja, um seriado que o espectador é convidado a montar as peças de um quebra-cabeça junto com a trama da atração e o desenrolar da temporada. É meio que uma expansão do murder-mystery e que amplia a questão do: quem matou? e entrega o: o que está acontecendo aqui?

Em um dos pontos altos da chamada nova Era de Ouro da Tv Americana, a série Lost (exibida na tv aberta americana entre os anos 2004-2010) foi uma que mais se beneficiou desse conceito e que apresentava em seus episódios diversas perguntas e mistérios, ao mesmo tempo que oferecia respostas aos poucos e isso tudo ao longo de uma temporada televisiva de 22 episódios e que durava diversos meses (entre mais ou menos Setembro até Maio do próximo ano).
E ao longo das últimas décadas, todo sonho de um canal de TV, e anos depois de serviços de streaming, era encontrar uma nova Lost. Ela não foi a primeira a fazer isso, mas, talvez, tenha sido a percursora de um momento que estamos ainda vivendo quando se trata de atrações de TV desse gênero. Muitas outras logo depois até tentaram replicar o mesmo sentimento de a cada semana reunir uma base de fãs leais em torno da TV para assistirem, debaterem e criarem teorias e mais teorias sobre o que a atração exibida queria passar, mas poucas tiveram o mesmo tipo de sucesso (e até mesmo impacto cultural). Algumas foram mais simples e nichadas (como Under The Dome, Manifest), outras um pouco mais complexas e tiveram um apelo popular maior (Westworld, Mr. Robot).
Mas todas tinham esse denominador em comum de ser atrações extremamente viciantes e que foram sustentadas pelo quanto o público estava investido nesse tipo de produção ao longo dos anos. E o novo ano de Ruptura surfou nessa onda, trouxe isso de uma forma extremamente eficaz e se beneficiou da janela entre a primeira temporada e a segunda para ganhar e aumentar essa base de fãs.
E para isso, os produtores de Ruptura foram com tudo (encabeçados por Ben Stiller e
Dan Erickson), aumentaram o escopo e as situações que os personagens viveriam, principalmente esses innies, funcionários ruptados, que trabalham para a misteriosa Lumon e que tiveram suas histórias apresentadas no primeiro ano que acabou com um dos maiores ganchos da história moderna da TV.
Assim, com o retorno de Ruptura, a expectativa para vermos se os colegas de trabalho e de mesa Mark S. (Adam Scott, incrível), Helly R. (Britt Lower, a grande revelação dos últimos anos na TV), Dylan (Zach Cherry) e Irving (John Turturro) conseguiram acessar o mundo fora da Lumon, mas como suas figuras de trabalhadores da empresa (tudo envolve um chip e o procedimento que separa, ou ruptura, suas mentes, vá assistir a primeira temporada, por favor) era gigante, afinal, o final do primeiro ano abriria não só um leque narrativo atrativo para a série, mas também para a forma como esses atores (que brilhantemente construíram esse personagens ao longo do primeiro ano) teriam que trabalhar na nova leva de capítulos.
E se a trama para o segundo ano prometia que iriamos ver mais desse universo, a “caixa”de mistérios tinha que ser maior, afinal, a nova leva de capítulos de Ruptura vinha com a pressão de não só responder as perguntas deixadas em aberto no primeiro ano, como também manter o espectador que esperava alguma coisa maior e melhor dessa história.
E acho que o segundo ano é extremamente eficaz nesse desafio. Afinal, tivemos ao longo dessa nova temporada de Ruptura não só respostas para questionamentos que estavam ali como uma pulga atrás da nossa orelha, ao mesmo tempo que também ganhamos respostas, e sim, novas perguntas.

Desde as regras desse universo meio retrô, meio moderno, a constatação que sim os “innies” são “pessoas” totalmente diferentes de seus “outties” e também a busca pela chance deles existirem fora do horário das 9h-17h dentro da Lumon, o que era o trabalho (importante e misterioso) que o grupo de funcionários fazia chamado de refinamento de dados, o porquê que a Sra. Casey (Dichen Lachman) era tão importante (além de ser a esposa de Mark que foi dada como falecida), e o que diabos a Lumon (e seus executivos) planejavam de certa forma quando lançam o procedimento de ruptura agora liderados pelo Sr. Michick (Tramell Tillman) depois que a Sra. Cobel (Patricia Arquette) foi demitida.
O que fez Ruptura ter dado certo no primeiro ano, seja as complexas relações entre esses personagens, o climinha de mistério, e também a construção do romance entre Mark S. e Helly R. (em paralelo com Mark em busca de sua esposa) continua, e dá muito certo, aqui nos novos episódios. Assim, desde do início do novo ano, Ruptura vinha semana após semana reunindo os fãs para continuar a contar essa história e seus mistérios. Do primeiro bloco, onde a grande teoria, e que se concretizou logo no metade da temporada sobre Helena Eagan (também Lower numa das melhores atuações do ano) estar no andar da ruptura se passando por Helly R. para depois vermos o que iria acontecer com Mark depois que ele fizesse o processo de reintegração, até mesmo para o bloco final que se apoiou em mostra o que iria acontecer quando Mark S. completasse a missão chamada de Cold Harbour (e o que eram essas missões antes de tudo) e o que isso iria significar para todos os envolvidos, seja os innies, os outties, e os funcionários da Lumon de maneira geral.
Acho que o grande mérito do novo ano de Ruptura é crescer com essa história aos poucos, onde a atração fez isso, de ir mapeando, tudo que precisamos e queremos saber sobre tudo ao longo da temporada. E sem tirar o espectador de otário, já que muitas das pistas foram dadas sempre de antemão pela atração e depois que tínhamos o momento: olha agora vão te explicar, mas você já deve saber. Por exemplo, as pistas que era Helena e não Helly R. estavam ali desde do começo, mas, ao mesmo tempo, também foi muito interessante ver Irving (Turturo num dos melhores episódios do segundo ano, o 2×04 – Woe’s Hollow) aos poucos notando o comportamento da colega, também ir por reunir todas as peças e resolver expôr a colega durante a viagem para fora do escritório.
“Helly nunca foi cruel” comenta o personagem no ápice dos blocos iniciais do segundo ano e que marcaram até mesmo os episódios considerados mais paradas do novo ano. E até mesmo para os outros questionamentos, exibidos em episódios considerados como avulsos quando vistos semanalmente, e na espera do próximo, pareciam que seriam “fillers” da temporada, entre eles os dos capítulos focados nos passados de Gemma (e um dos episódios melhores dirigidos e aqui palmas para Jessica Lee Gagné) e de Cobel (a revelação valeu por vemos Arquette andando na neve para e para cá), mas que foram momentos cruciais para o desenvolvimento dos arcos dos episódios finais.
Assim, os episódios Who Is Alive? (2×03), Chikhai Bardo (2×07) e Sweet Vitriol (2×08) foram fundamentais para darem um contexto maior para aquilo que assistimos ao longo da temporada de Ruptura, e da série de maneira geral, e serviram como se fossem grandes pistas para completar a forma como veriam as alianças e as traições que iriam se desenvolver no final da temporada.
Claro, muita coisa pareceu meio parada ou sem critério de estar ali, mas também deu uma certa substância para a série que não deixa de ser uma de mistério onde tudo é importante de certa forma. Desde das escolhas do que focar nas cenas de transição, ou um olhar, ou uma frase dita de maneira diferente. A construção narrativa, e os excelentes ângulos e formas como tudo foi gravado e editado deixaram o novo ano de Ruptura se sobressair e apresentar uma trama ainda mais robusta do que vimos no primeiro capítulo dessa história.
Foi como se tivéssemos algumas mini-finais de temporada ao longo de toda a temporada, onde basicamente todo episódio tínhamos um grande gancho deixado pelas informações que eram aos poucos nos dadas. Destaques para Woe’s Hollow (2×04) e o combo The After Hours (2×09) e Cold Harbor (2×10) que se comportam com dois episódios complementares, mesmo que diferentes, e que serviram como um final de temporada duplo (totalmente dentro do que vimos na série).
Nesse segundo ano, o maior mérito de Ruptura, então, fica por ter colocado esses atores para interagirem entre si como suas diferentes versões, as de fora, as de dentro, onde as vezes quem estava de fora era pareado com alguém de dentro, e vice-versa, e isso só elevou o trabalho de todo mundo envolvido, principalmente de Scott e Lower que capitalizarem e levaram para um novo nível o chamado “romance de escritório” em uma produção televisiva.
Mas de fato todo mundo esteve no meu melhor no segundo ano de Ruptura. De Tillman que trouxe seu melhor (principalmente no 2×05 – Trojan’s Horse) para Christopher Walken que retornou como Burt (só que o Burt de fora) para a jovem atriz Sarah Bock que interpretou a aterrorizante Srta. Huang e também Ólafur Darri Ólafsson como o detestável executivo da Lumon Sr. Drummond.
No final, Ruptura soube aproveitar, e muito, o tipo de narrativa e o gênero na qual está inserida para tecer e compor uma história pra lá de interessante, cheia de debates morais e éticos e ainda ser cercada de reviravoltas de foram construídas COM o espectador e não em cima dele. Fora que fica visível que todos os detalhes parece que foram escolhidos para dar a sensação que a série é uma milimetricamente pensada para agradar um certo tipo de público que está acostumado com esse tipo de atração, e que sim, entrega um puzzle box show de respeito e uma das melhores coisas em exibição na TV atualmente.