Depois de anos meio que preso no engessado papel do espião James Bond, o ator Daniel Craig vê com Queer (2024) a possibilidade de esticar um pouco outros músculos, os de atuação.
E ao fazer par com o diretor Luca Guadagnino (um dos mais empolgantes nomes no momento) para contar essa história, baseada no livro de William S. Burroughs, o ator realmente se camaleoa e entrega uma atuação primorosa de assistir na medida que seu personagem é consumido por diversas obsessões ao longo da narrativa que se passa no ensolarado e encalorado México.
O trabalho de Craig, alinhado com o trabalho de direção de Guadagnino, talvez, seja o principal motivo que o longa dá certo e serve como um veículo para vermos uma das melhores atuações do ano, sem dúvidas. E se Craig realmente tá bem em frente às câmeras, o mesmo dá para dizer do trabalho atrás dela que vemos com Queer.
No seu segundo projeto no ano, se tem uma coisa que Guadagnino consegue aqui com Queer é aprimorar mais uma vez a forma como consegue contar mais um caso de uma obsessão que envolve um protagonista e outros personagens, e faz isso, sem deixar a bola cair, principalmente depois de ter se debruçado no tópico tanto em Me Chame Pelo Seu Nome (2017) enquanto em Rivais (2024). E se o badalado Rivais foi seu filme mais popzinho nos últimos tempos, que mais furou a bolha indie, o mais comercial, talvez, Queer seja um dos seus mais artísticos desde de quem sabe Suspira – A Dança do Medo (2018).
No meio das cores quentes, Guadagnino consegue entregar um filme extremamente convidativo, bonito, sexy, cheio de emoção e que transpira uma tensão sexual gigante na medida que conhecemos o personagem de Craig, um ex militar fugido dos EUA que perambula pelas ruas do México, nos anos 50 pós guerra, em busca de pequenos prazeres: seja na bebida, na companhia de outros rapazes, ou até mesmo em opióides.
E se pela manhã as andanças pela cidade são para curar a ressaca, conversar com o colega Joe, um excelente Jason Schwartzman, as noites são para fazer novas e causar inveja para os outros homens que veem Lee conseguir aquilo que quer todas em todas elas. E logo no começo vemos inclusive uma participação de um irreconhecível Omar Apollo que nada mais é que Guadagnino fazendo o que Pedro Almodóvar fez em Estranha Forma de Vida e escalando um jovem ator conhecido do público das redes sociais.
Entre as cenas mais ousadas do começo, e uma certa aura de mistério que é imprimida por Craig com Lee, Queer rapidamente muda a narrativa, quando o personagem cruza caminho com um jovem rapaz que desperta um sentimento de curiosidade, indagação e desejo. O desejo de ter aquilo que talvez não possa ter, afinal, suas andanças pelas ruas sempre acabam com ele tendo aquilo que queria: o prazer mundano.
A forma como Guadagnino trabalha as diversas fases da conquista que Lee vive depois que começa a ver Eugene Allerton (Drew Starkey, uma grata surpresa) por toda parte mistura uma certa fantasia, com tesão, e luxúria bem interessante. E na medida que Eugene começa a circular pelas ruas da cidade do México, e no meio da comunidade gay que cerca aqueles bairros, a complexa relação entre esses dois personagens começa a aflorar na medida que os dois se tornam mais íntimos, tanto nas conversas regadas a bebidas, quanto na ação mais física e carnal.
E novamente Guadagnino acerta na ambientação, na criação de passagens que colocam esses personagens em momentos para lá de interessantes de se acompanhar. Seja pela presença carismática de Craig, ou pela misteriosa, meio tímida, que Starkey imprime para o personagem, sempre na ambiguidade de suas ações, Guadagno explora as diversas camadas e polos da comunidade queer, com os diversos tipos de figuras que a permeiam.
Na medida que Lee sente que o relacionamento com Eugene não vai para frente da forma como ele queria, a proposta de uma viagem para mais ao sul das Américas dá para o longa uma chance de sair de onde o filme passa boa parte do seu tempo: entre os bares do México e o apartamento do protagonista.
A busca uma planta com poderes especiais, a yagé, também conhecida com Ayahuasca leva a trama de Queer para fora do clima de sedução, flerte e sexo, para uma coisa mais aventureira, mais dodida, e mais conceitual, coisa que para mim deixa a história um pouco mais sem pé nem cabeça e que afeta minha relação com o filme.
Claro, é um capítulo (o longa tem 3 e ainda um epílogo) importante para a narrativa, sim, e pelo fato que nos dá a introdução de uma ótima Lesley Manville como uma pesquisadora e curadora que é o objeto da busca de Lee, e de Eugene, que parte com ele na jornada, mas sinto que tanto o roteiro, quanto, Guadagnino dão uma pirada não muito bacana e que foge muito da realidade e partem para uma coisa mais para o campus das ideias e para o conceitual.
Queer assim meio que perde seu charme narrativo de querer contar a história desse personagem complexo que Craig apresenta e que sustenta ao longo de todo filme e que faz a única constante realmente boa do filme. Entre os questionamentos que Lee consegue respostas, depois da viagem ao México, para os acontecimentos anos seguintes desse evento e até mesmo quando o vemos retornar para os lugares que viveu, Queer consegue pintar um grande quadro sobre a realidade de diversas pessoas queer e que mostra que pessoas, e seus sentimentos, são complexas independentemente do gênero.
Queer entra em cartaz nos cinemas nacionais em 12 de dezembro.