Se pudéssemos definir o longa Perdida (2023) em apenas uma palavra seria a mesma do título. Perdido. Um longa que parece que se perdeu no trânsito, e recalcula a rota para tudo que tem se feito com o tema atualmente, vai na contramão, e acaba por voltar para o lugar não tão bacana de antes.
E sim, numa época de 50 Tons de Cinza, 365 Dias, é bom ver Perdida conseguir contar uma história ah lá Jane Austen e continuar a seguir a linha de Bridgerton mesmo que o filme não ouse com a história igual como vimos com Daphne e o Duque na série de sucesso e que consolidou esse gênero de volta para a cultura popular. Não tão descolada igual a atração de Shonda Rhimes, e sem a mesma sutileza para tocar nos mesmos temas, Perdida tinha tudo para dar certo, mas sofre ao concluir sua história da pior maneira possível na medida que a mocinha embarca numa aventura, e termina tendo que escolher entre dois mundos.
E assim fica claro, que não importa aqui em Perdida, se Giovanna Grigio está excelente no papel como a protagonista, se a ambientação o longa é caprichada, que algumas cenas são visualmente belíssimas, e parecem serem tiradas de uma obra de arte de um livro de época, principalmente as cenas na montanha, onde em alguns momentos mais dramáticos vemos esses personagens, em cenas que envolvem cavalos, e cabelos ao vento.
Ou até mesmo se os figurinos de época estão muito bem feitos, se o longa consegue trazer uma leitura fiel para o livro de Carina Rissi na qual é baseado, e que a direção da dupla Katherine Chediak Putnam e Luiza Shelling Tubaldini realça diversos aspectos técnicos que a produção consegue trazer para essa produção nacional.
Nada disso importa quando vemos o caminho que Perdida toma ao longo da história, uma história que tinha tudo para liderar essa nova onda de empoderamento mas que cai no lugar fácil, comum, xoxo, e capenga, e que desanima nos seus momentos finais, e um dos mais importantes, aquele momento que saímos da sessão e levamos o filme conosco para casa.
Por que afinal, às vezes, tudo que fica é a primeira, ou última, impressão de alguma coisa, aquela única coisa que marca todo um projeto para sempre. É a cena icônica de Cinderela fugindo do baile, é a Bela Adormecida espetando o dedo no fuso de uma roca, Ariel trocando as barbatanas para se tornar humana, ou a Bela reconhecendo o Príncipe atrás dos olhos de uma Fera. É aquela cena icônica que define um longa, e uma obra.
E desde que eu assisti Perdida, a decisão da jovem Sofia (Grigio) me pegou de uma forma que não esperava assistir em um longa em 2023, com o selo Disney, e com os nomes envolvidos.
O carisma de Grigio, sim, é contagiante, ela é a alma do filme, e carrega nas costas a produção, seja da Sofia no mundo real, com os conflitos no trabalho, com a melhor amiga, e com tudo que acontece naquele momento de sua vida. E também a Sofia que conhecemos na medida que a jovem cai num mundo que ela só acreditava existir nos livros. E ao assistir o filme, fica claro, que as jovens que vão assistir Perdida, Grigio e a própria Sofia mereciam mais, sem dúvidas.
Na medida que vemos a personagem desbravar o dia-a-dia na editora de livros que trabalha com o chefe mala, o colega esquerdo macho, enquanto tenta aprovar a ideia de relançar Orgulho e Preconceito, a trama do longa se encaminha, em sua simplicidade, para nos mostrar a jovem cair de cabeça no mundo de Jane Austen que ela tanto adora, com a “ajuda” de uma bruxa madrinha (Luciana Paes, divertidíssima), e conhecer um galante nobre numa cidade fictícia de época.
“Lugares distantes, duelos de espadas, feitiços, príncipes disfarçados.” Perdida tinha tudo para dar certo, mas se perde completamente em uma edição brusca, num texto cinematográfico pobre e em decisões narrativas duvidosas. O longa tinha a oportunidade de brincar e desenvolver esse interessantíssimo paralelo, mas Perdida desperdiça isso.
E ao mesmo tempo que Perdida abraça o gênero novelesco ao apresentar a dinâmica de época, com a jovem Teodora Moura (Bia Arantes) de olho em Sofia para atrapalhar seus planos de se casar com Ian Clarke (Bruno Montaleone), e com Elisa Clarke (Nathália Falcão, um dos destaques, com boas cenas) vendo graça nas atitudes mais rebeldes da jovem que seu irmão salvou, o longa também sofre com essas cenas mais bobinhas na medida que todos do tempo antigo soam como arquétipos vistos, e revistos em diversas outras produções e que não agregam em nada para o longa e para a história que quer contar, e a reflexão que quer passar, tanto para o espectador, quanto para Sofia.
A jovem cai em outro mundo, mas não parece muito preocupada em efetivamente achar uma forma de precisar voltar como vemos em Alice no País das Maravilhas. O mundinho Jane Austen pode parecer as maravilhas para Sofia por conveniência do roteiro, até lá pela metade eles lembrarem que ela precisa decidir se vai atravessar o espelho ou não e em qual vida vai continuar a viver.
A tentativa de fazer um mistério sobre o que/ou quem Sofia precisa encontrar, em que vemos ela desafiar as regras da sociedade local, os arcos de outros personagens secundários como a jovem Valentina Albuquerque (Emira Sophia) com a avó Sra. Albuquerque (Lucinha Lins), ou até mesmo de Lucas Guimarães (Sérgio Malheiros) como um pretendente de Elisa, ajudam o longa a ter uma certa sustância mesmo que no final, as tramas ficam jogadas ali por ficarem.
E tudo isso só enche linguiça para esperamos qual será a decisão de Sofia, e que fica cada vez mais enfadonha de esperar e acompanhar, devida a completa falta de química entre Grigio e Montaleone, onde o enredo também se encaminha para uma coisa completamente questionável de se assistir, e da mensagem que se quer passar, em 2003, num ano com A Pequena Sereia lançado pelo mesmo estúdio alguns meses antes.
No final, não só parece que Perdida perde tudo que foi trabalhado nos cinemas e em outras mídias em alguns segundos, mas fica claro logo no seu momento final que o longa faz isso de maneira rápida e que não nos faz acreditar que está indo mesmo por aí, onde nos deixa com a realidade nua e crua é que quando o filme termina. E que termina como um dos maiores banhos de água fria, visto dos cinemas nos últimos tempos. Era melhor ter perdido o roteiro, engavetado o projeto, e fingido que nada aconteceu.
Onde assistir Perdida?
Perdida chega nos cinemas em 13 de julho.