É curioso vermos que o diretor Fernando Coimbra conseguiu colocar todos os elementos que fazem parte da cultura do Rio de Janeiro em Os Enforcados (2024), mas, ao mesmo tempo, seu novo filme, conta, de certa forma também, uma história universal completamente surtada sobre ganância.
E talvez, isso fique ainda mais fácil de notar quando vemos as atuações impressionantes de Leandra Leal e Irandhir Santos que realmente incendeiam a tela nesse conto extremamente empolgante sobre um casal carioca que veem uma decisão tomada por eles mudar radicalmente a suas vida e trazer consequências perigosas, explosivas, e de certa forma, mortais.
O cenário praiano do Rio de Janeiro, o carnaval, o jogo do bicho, tudo isso serve de plano de fundo para contar essa história que acompanha Regina (Leal, numa atuação impressionante) e Valério (Santos, ótimo em tela), um casal de suburbanos endinheirados (mas nem tanto) que está no meio de uma reforma do casarão que eles compraram e que fazem parte de uma família que domina uma parte dos negócios criminosos que rolam na cidade.
A forma como Coimbra (que cuida do roteiro junto com a direção) nos apresenta para esse casal, e como explora essa dinâmica de poder que cercam esses dois, é muito interessante de assistir na medida que somos apresentados para essas figuras, seus planos, e que eles querem, seja individualmente, ou como casal. É curioso notar como, desde do começo, Os Enforcados sempre tem alguma coisa a mais rolando por trás do que é, aparentemente, uma cena comum.
Seja quando vemos o casal realizando seus fetiches no quarto, em que Valério se veste de ladrão para “roubar” a esposa, para depois veremos como a dinâmica entre eles mudar e notarmos que Regina é a pessoa mais dominadora nesse relacionamento, ou até mesmo, como vemos a relação entre Valério e o tio que hoje domina o crime, depois que o pai dele foi de arrasta para cima, vítima de uma emboscada não muito bem resolvida.
Na trama, sempre uma nova informação surge, a cada momento da trama, para mudar tudo que vimos até então, mas, já aviso, nada vai preparar o espectador para que acontece nos momentos finais do filme. Afinal, em Os Enforcados, Coimbra constrói essa narrativa aos poucos, mas sempre de uma forma que faz as tramas, as doideiras e o caos cresçam de forma exponencial ao longo do filme.
E sem deixar um toque de humor de lado. Já que em Os Enforcados temos esses momentos mais divertidos, principalmente alguns em que Irene Ravache aparece, onde aqui, veterana interpreta a mãe de Regina que tira as cartas para ela, onde a figura do Enforcado representa perda, traição e sofrimento, e é basicamente o que acontece ao longo do filme e que combina tão bem com os perigos, surpresas e reviravoltas que a trama apresenta aqui.
E principalmente, quando Regina e Valério tem planos de assumir todo o controle das empresas da família e resolvem dar cabo no tio dele que pode ou não pode ter matado o pai do protagonista e assumido o controle das operações ilegais ele mesmo.
Os Enforcados faz, então, um filme criminal, um filme de máfia, um filme sobre relacionamentos, que prende atenção e que nos deixa intrigado em saber o que essa dupla vai fazer e aprontar para se livrar das enrascadas que se meteram. Afinal, as coisas, claro, dão erradas para eles, mas não é por isso que eles não vão deixar de cair atirando, certo?
Afinal, a forma como as coisas escalonam depois que os outros chefões do crime, um deles interpretado por um também ótimo Ernani Moraes, vão trás da dupla é de impressionar pela doideira narrativa que Os Enforcados conta essa história. O mesmo vale para a forma que Regina e Valério tentam fugir da polícia, logo depois que as investigações começam por conta do desaparecimento do ex-chefão do crime.
Assim, vemos os dois entre querer passar o negócio para frente e assumir de vez os problemas (e principalmente as dívidas) que herdaram. E esse jogo perigoso de gato e rato começa a se afunilar quando Regina e Valério, antes juntos, começam a desconfiar uns dos outros, de seus funcionários, principalmente do segundo em comando da operação (Thiago Thomé) e alguém começa a cogitar a falar com à polícia.
É como se Os Enforcados, a dupla fosse uma versão tupiniquim de Tom e Shiv Roy de Succession. Você não sabe se eles realmente se amam, por que eles se amam, e o que um faria para se dar melhor em cima do outro. No final, fica claro que em Os Enforcados, é cobra atrás de cobra, e vence quem é o predador mais esperto e perigoso. Nesse conto de obsessão e busca por poder, aqui, fica claro que no jogo, na vida, e no amor, vale tudo e esses personagens vão apostar tudo para se sairem bem nessa história e confusão toda.
Filme visto no Festival Do Rio em Outubro.
Os Enforcados chega em Novembro nos cinemas nacionais.