quinta-feira, 21 novembro, 2024
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Festival do Rio | O Quarto Ao Lado | Crítica: Discussões sobre vida e morte

Na primeira empreitada de Pedro Almodóvar em língua inglesa, o calor habitual é trocado por uma frieza enquanto Julianne Moore e Tilda Swinton discutem sobre vida e morte. Nossa crítica de O Quarto Ao Lado.

As discussões que Pedro Almodóvar propõe em seus filmes são normalmente daquelas que causam incômodo e nos fazem refletir sobre a nossa própria vida enquanto assistimos os personagens, em tela, contarem suas histórias e falarem de suas vidas.

E claro, tudo envolvido com muita cor, visuais chamativos, um certo charme narrativo extremamente caloroso e convidativo e que acabam por serem um dos traços de Almodóvar, como um bom contador de histórias em espanhol. E na sua primeira empreitada em língua inglesa, o diretor aproveita para trabalhar com suas gigantes de Hollywood, mesmo que O Quarto Ao Lado (The Room Next Door, 2024) sofra um pouco com a falta desse acolhimento visual que as outras produções tinham.

Mesmo que frio, impessoal e analítico em alguns momentos, Almodóvar não deixa de utilizar cores primárias e vibrantes nos cenários, dos figurinos e no que acerca esse elenco de maneira geral, onde mesmo sem esse tom mais chamativo e acolhedor, O Quarto Ao Lado consegue entregar uma discussão poderosa sobre vida, morte, e tudo aquilo no meio. 

E para isso, para a construção desse filme extremamente intenso e com diálogos intensos, Almodóvar se cerca de Julianne Moore e Tilda Swinton que interpretam duas amigas que há anos não se viam, mas se encontram novamente devido a um acontecimento importante na vida de uma delas.

Conhecemos logo de cara a escritora Ingrid (Moore, incrível mais uma vez), que acabou de lançar um livro, está em um sessão de autógrafos, e de certa forma já busca ideias para um próximo projeto, e a jornalista Martha (Swinton com uma serenidade gigante e que realmente mostra serviço), uma ex-correspondente internacional que cobriu diversas guerras, que trabalharam juntos há muitos anos, e que colocam o papo o dia, refletem sobre seus passados, e olham com pesar para o futuro.

Assim, Almodóvar nos apresenta também um pouco mais da dinâmica entre elas, enquanto nos coloca, como observadores dessa conversa, a parte de tudo que já rolou com essas duas, onde ficamos a preencher lacunas sobre a linha do tempo desse relacionamento.

Cortesia do Festival do Rio.

A narrativa de O Quarto Ao Lado então é sustentada pelos bate-papos que Ingrid e Martha têm ao longo do filme, onde o que temos é basicamente, um filme que comporta como se estivéssemos vendo as duas em uma peça de teatro. Temos monólogos, temos diálogos, temos conflitos. E isso é tão bonito de se assistir. Das justificativas do afastamento das duas, dos trabalhos que passaram, dos amantes que passaram nas vidas delas, na família que Martha nunca formou depois de ter uma filha e que hoje ela não se dá bem. 

O Quarto Ao Lado é bonito, melancólico, é de você não querer desviar o olhar da tela para não querer perder nenhum momento dessas duas atrizes enquanto performam seus diálogos, nos dão informações valiosas sobre suas personagens, e que nos ajudam a compôr essa tapeçaria que forma as figuras dessas duas mulheres, complexas, e humanas.

Claro, temos outros personagens no longa, como o ator John Turturro, como um casinho de Ingrid/palestrante/autor de livros sobre o aquecimento global, e de Alessandro Nivola como um policial linha dura que cruza caminho com Ingrid, mas são as atuações de Moore e Swinton que sustentam fortemente todos os diálogos, e justificam acompanharmos essas duas, onde é como se estivéssemos dentro do filme, ao lado delas, e de queremos passar um tempo com esses personagens nos diversos cenários que a trama passa.

Seja em um hospital, seja em uma cozinha colorida, ou até mesmo em um casarão alugado, todo envidraçado e no meio do nada, onde essas amigas, essas mulheres, dividem espaço para tirarem umas “férias” na medida que Martha contempla o resultado de um diagnóstico médico.

E por conta disso, O Quarto Ao Lado cria uma espécie de suspense sobre o que vai acontecer com essas personagens, na medida que o filme trabalha com uma informação crucial sobre essa questão para o desenvolvimento da trama, e que aqui, talvez não seja bacana revelar, pelo fato que tanto Moore quando Swinton realmente abraçam essa história, meio doida, meio polêmica que vem essas personagens envolvidas.

Com a casa, e outros locais da habitação alugada pela dupla, também sendo personagens no filme, e importantes para narrativa, O Quarto Ao Lado coloca tanto Ingrid quanto Martha no meio de um furacão discussões importantíssimas que são debatidas entre elas ao longo dos dias que estão hospedadas no lugar. Seja nas espreguiçadeiras na varanda, na cozinha, ou até mesmo na sala de TV, onde elas assistem filmes antigos, em DVD, juntas.

É como se Almodóvar abrisse uma porta, vermelha, chamativa, e que se destaca no cenário, ficasse parado na frente de um quarto e nos convidasse para espiar um pouco o que se passa quando Ingrid e Martha conversam. Onde, no final, O Quarto Ao Lado é elevado por conta dessas duas atrizes, bem mais do que se mostrar ser um filme com uma assinatura de Almodóvar. Claramente, é uma aposta arriscada do diretor, mas, ao mesmo tempo, uma que o faz sair de sua zona de conforto e que querendo ou não nos dá a chance de vermos duas atrizes incríveis em ação. 

Para os fãs de filmes cheios de diálogos e reflexões profundas, O Quarto Ao Lado é um que chama atenção, sem dúvidas. Pode entrar, deixar a porta aberta, se acomodar. 

Nota:

Filme visto no Festival do Rio 2024 em Outubro.

O Quarto Ao Lado chega em 24 de outubro nos cinemas nacionais.


Miguel Morales
Miguel Moraleshttp://www.arrobanerd.com.br
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