Para começar afirmo que O Legado de Júpiter (Jupiter’s Legacy, 2021) é a clássica definição de que quando em dúvida opte pelo pensamento de que menos é mais. Na tentativa de criar uma super história, complexa, que se expande durante anos e décadas e que acompanha esse grupo de super-heróis em diversas fases de suas trajetórias como supers, O Legado de Júpiter faz uma série que peca pelo excesso.
Tudo é muito over, grandioso, épico, apenas por ser? O primeiro ano se perde tanto em sua própria mitologia, na própria história que quer contar, e também em seus próprios personagens que é difícil não terminar os episódios com um ar de cansaço, e um esgotamento mental gigante que onde parece que vimos coisas, vimos acontecimentos, e vimos tudo e não chegamos basicamente em nem lugar? O Legado de Júpiter não tem o brilho de outras produções para tratar do gênero e nem a sagacidade de conseguir apresentar esses super-heróis de uma forma que nos faça torcer por eles, ou os odiar como é o caso de alguns, somente pelo fato que apenas recebemos eles em pequenas doses ao longo dos episódios.
Por conta de querer trabalhar com o recurso narrativo de flashbacks para conhecermos como o grupo conhecido como União da Justiça se formou, ganhou seus poderes, e como eles lidam com tudo isso naquela época e nos dias atuais, é que O Legado de Júpiter se perde e se embola. Sim, a tal União da Justiça é a Liga da Justiça da Netflix, os personagens até tem suas contra-partidas, e são também uma mistura com Os Sete de The Boys da plataforma de streaming rival, só que aqui é como se eles fossem uma versão maior, mais caricata e menos pomposa, sabe? Em O Legado de Júpiter, é como a União da Justiça nos apresentasse uma série que se fosse uma produção do canal americano The CW, só que com um orçamento maior e que você pudesse ver todos os episódios de uma vez.
Poucas coisas funcionam em O Legado de Júpiter, e talvez isso, seja pelo fato que temos muitas coisas que não funcionam na série. E nem estamos falando da peruca horrível que a produção da Netflix colocou no Josh Duhamel nas cenas do presente do Utopian com os cabelos brancos hein? Pessoalmente, vejo que o maior problema de O Legado de Júpiter é que a série falha em fazer o que deveria fazer melhor e de forma principal: introduzir e nos fazer gostar desses personagens.
Ao jogar o espectador logo de cara para as versões mais velhas e experientes desses personagens já mais abatidos, cansados de lutar, e com a União da Justiça desfeita, parece que O Legado de Júpiter não nos dá a oportunidade de descobrirmos as coisas, e os personagens, junto com a série. Afinal, já sabemos o que aconteceu, mas o que seria o grande trunfo da série, que seria mostrar como eles chegaram lá desde do começo e não pelo final, é apenas mostrado e interligado com o presente, sem uma ordem cronólogica e que no final o time de produção não consegue desenvolver nem e nem outro. E O Legado de Júpiter também peca em termos episódios focados unicamente em determinados personagens diferentes, ou seja, a cada um deles o foco é alguém, mas a série nunca volta depois para terminar aquela história contada e apresentada, apenas parte para o outro personagem principal como se contasse episódios isolados uns dos outros que estão ligados apenas pelos flashbacks.
Assim parece que O Legado de Júpiter deixa propositalmente informações importantes sobre eles de fora para dar um tom de mistério no que aconteceu: seja como eles ganharam seus poderes, quem traiu quem, e pior quem é o responsável pelos acontecimentos no presente. Mas ao mesmo tempo não conhecemos esses personagens a fundo para saber quem está de qual lado, e por que eles querem mudar de lado.
E logo de cara em 1×01 – Pela Luz do Amanhecer conhecemos o maior super-herói do planeta The Utopian (Duhamel), também conhecido como Sheldon Sampson, e sua família, os Sampsons com sua esposa Grace, e também super-heroína Lady Liberty (Leslie Bibb, num tom cômico bem bacana e que destoa dos restantes), seu irmão Walter (Ben Daniels), o super-herói Brainwave, e ainda os filhos de Sheldon e Grace, Chloe (Elena Kampouris) que detesta a ideia do pai ser um super-herói e Brandon (Andrew Horton), que precisa, ah lá Invincible, treinar com o pai para se tornar um super-herói e assumir o Legado do pai como o chefe da organização dos super-heróis.
Só que com isso, O Legado de Júpiter em sua narrativa desconexa e truncada nunca apresenta propriamente todos eles, afinal, o que temos é um grande caminho de migalhas que percorre a temporada. Nos primeiros capítulos, 1×01 – Pela Luz do amanhecer, 1×02 – Papel e pedra, onde boa parte da trama se passa no presente, a série entrega seu maior potencial, afinal temos essa família disfuncional de super-heróis, a história empolga com a chegada de um super vilão chamado Estrela Negra, temos diversas lutas entre os heróis e o vilão com efeitos especiais muito muito bons, mas depois O Legado de Júpiter decide que precisamos saber o que aconteceu.
Ao mesmo tempo que boa parte dos episódios, os roteiros conseguem entregar algumas surpresa e algumas reviravoltas aqui e ali, O Legado de Júpiter acaba por ser uma série sobre percepções, afinal, no meio disso tudo, os roteiristas tentam colocar discussões sobre o que é o certo, o que é errado, e o que está no meio, e como esses personagens vão conseguir se comportar num mundo cada vez mais violento e cada vez mais difícil de conseguirmos julgar as coisas. É como O Legado de Júpiter ficasse o tempo todo te apresentando personagens, heróis, vilões, mas não desenvolve a história deles e apenas te joga de um lado para outro para vermos quem tem razão.
E infelizmente isso acontece ao longo de toda a temporada, afinal, quando estamos no presente e a trama parece que vai engrenar voltamos para o passado onde vemos Sheldon (Duhamel) na busca de decifrar suas visões e sonhos premonitórios após a morte de seu pai e perder toda fortuna da família na Crise de 1929 com a ajuda de seu melhor, o bonvivant George (Matt Lanter, num bom papel). Mas quando parece que O Legado de Júpiter vai para algum lugar somos jogados novamente para o presente. Nunca vi o uso de flashbacks ser utilizado tão pobremente numa produção como em O Legado de Júpiter e os episódios 1×06 – Cubram o rosto dela e 1×07 – Omnes pro uno são a culminação disso.
E tirando os nomes mais conhecidos, como Duhamel, Bibb e Daniels boa parte dos outros atores são muito muito mal aproveitados, principalmente o elenco adolescente, e os personagens de Chloe e de Hutch (Ian Quinlan) que só se salva por conta de sua arma de teletransporte. Aqui, temos a jovem com problemas de drogas, é o garoto que não conheceu o pai super-herói, o outro que não quer viver nas sombras do pai, e faz besteira para chamar atenção dele. É tudo muito fraco em termos de roteiro e de desenvolvimento de personagens.
Assim, fica claro que O Legado de Júpiter não deverá nem conversar com aqueles que gostam de histórias em quadrinhos, grandes sequências de ações, e lutas contra ameaças vindas de fora da Terra, e muito menos do público teen, afinal, essas duas partes da história pouco se conversam, pois precisam disputar espaço com os gigantescos flashbacks.
No final, O Legado de Júpiter surfa nessa onda de super-heróis, mas já quer pegar a maior onda possível e só acaba por cair da prancha e nem marolinha aguenta. Como falamos, ir devagar, e lembrar que menos é mais sempre é válido. Não há traje justo e com capas que aguente. E como diria Edna Moda, NADA DE CAPAS.
A 1ª temporada de O Legado de Júpiter com oito episódios estreia na sexta-feira, 7 de maio na Netflix.
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