Nos quadrinhos do Homem-Aranha, a personagem da Madame Teia é uma senhorinha cega numa cadeira de rodas que consegue ver o futuro. Mas pelo visto nem tanto assim, afinal, ela saberia tomar decisões melhores em relação o seu filme solo e ver que isso que é entregue aqui quase beira um desastre.
É 2024 e poderíamos ter tido uma outra abordagem com essa história, essa personagem, e tudo mais. Afinal, estamos num momento delicado para adaptações de quadrinhos que vem lá do boom de filmes de heróis que tomam conta de Hollywood desde de quando os hits eram Homem-Aranha, os X-Men, e o Batman e o gênero lá, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, estava apenas engatinhando para ser a coisa monumental que é atualmente.
E com Madame Teia (Madame Web, 2024) fica claro, sem precisar saber o futuro, que nem todo personagem precisa ter sua história de origem contada na telona. Afinal, eu achei que já tínhamos passado por uma pandemia? Mas parece que não, afinal, são 6 anos que a Sony Pictures tenta criar esse Universo de Vilões do Homem-Aranha, sem o Homem-Aranha, com histórias que mal se sustentam, e que entregam fiapos narrativos para enganar A-Talents em fazer filmes de super-heróis, mas não *aqueles filmes de super-heróis* que fecham contrato para um dúzia de filmes e um acordo lucrativo para depois eles conseguirem focar em cinema indie, de prestígio e de reconhecimento com prêmios.
Desde de Venom, a sequência do mesmo logo depois e Morbius, o Universo da Sony tem se expandindo rapidamente e sempre com uma promessa de que talvez, lá na frente, de alguma forma, vamos ser recompensados. Parabéns para quem acreditou nisso até agora, por que já aviso, esse momento não vai ser agora com Madame Teia.
Infelizmente, o filme servirá de apenas munição para os haters on-line, como se não tivemos sofrido com os comentários envolvendo As Marvels alguns meses atrás. O que temos aqui é mais uma teia infinita de expectativas, easter-eggs que nunca vão para frente, e que fazem o espectador assistir essa história somente para ver a próxima. É map-road que a Marvel Studios usou por anos? Sim, mas também depois de ter feito pelo menos um bom filme de Thor, um bom filme do Capitão América, um bom filme do Homem de Ferro, um bom filme de equipe. Esses personagens tiveram filmes ruins sim, alguns até mais de um, cof cof Homem de Ferro, mas não logo de cara, onde aqui parece que a única função de Madame Teia é apenas introduzir esses personagens de qualquer forma, com uma coxinha e uma Coca como pagamento.
E puxa como o filme, o roteiro, e quase que tudo mais, desperdiça boas ideias e que poderiam acabar com esse emaranhado de má sorte que esse canto da Marvel vive. Talvez seja as amarras de nunca poder usar todos os brinquedos disponíveis e somente atiçar o espectador com coisas, nomes, personagens, que talvez nunca vamos ver novamente.
Depois de ver o filme, fica claro, mais uma vez, que com Madame Teia o sentimento que fica é de como se você estivesse esperando brincar com LEGOs e só ganhou Playmobil. Afinal, depois de diversos personagens masculinos, finalmente chegou a vez de uma personagem mulher ganhar destaque nesse Universo e olha, puxa que legal, vamos ter introdução da Madame Teia nos cinemas, uma personagem que nunca tinha aparecido, mesmo sendo super importante nos quadrinhos do Homem-Aranha e principalmente pelo fato que ela consegue ver entre multiversos.
Só que nada disso acontece. Em vez de trabalhar para propriamente apresentar a personagem para o grande público, o longa vai para outro caminho e não se sustenta com a história que quer/precisa ser contada agora. É como se alguém falasse, em algum escritório da ensolarada Los Angels: Vamos plantar essa semente, e quem sabe, lá no futuro, usar para fazer a personagem unir todos os universos da Sony e de personagens. Vai acontecer? Não sei, assista esse e quem sabe. Veja esse, veja também o próximo do caçador descamisado do Aaron Taylor-Johnson, veja o próximo do próximo, do lutador de luta-livre El Muerto, e etc. É o famoso: vou ver e nos falamos.
Enquanto isso, fique em um outro universo, com uma paramédica órfã (Dakota Johnson presa na promoção do filme tem 2 semanas e coletando o pagamento mais doloroso que alguém já recebeu em Hollywood nos últimos tempos) que viu a mãe morrer enquanto estava grávida e pesquisava aranhas no Peru, um tio Ben, que não é bem *aquele Tio Ben*, e sim um paramédico interpretado por um ator querido dos fãs (todo o capital que Adam Scott ganhou com série Ruptura ele, e os agente dele, gastaram aqui?) que dá as caras uma possível variante do consagrado personagem, o mesmo vale para uma Mary Parker, que também não é a tia Mary que conhecemos, e sim, uma personagem que se resume em ser apenas grávida (Emma Roberts) e etc.
E Madame Teia, só sofre com isso, enquanto a Sony nos ameaça novamente com mais um longa desse Universo. Aqui, o roteiro (escrito por quatro mãos Matt Sazama, Burk Shaprless, Claire Parker e da também diretora S.J. Clarkson) é tão limitado que não sabe estabelecer as próprias regras do Universo que quer criar e que consequentemente cai nessa teia de más decisões. Sejam das mais básicas até as que garantem algumas reviravoltas na narrativa da história. Estamos em qual Universo? De Venom? De Mobius? De Tom Holland? De Andrew Garfield? de Tobey Maguire? Não sei, descubra você.
O que sabemos é que Cassandra Webb (Johnson), Cassie para os poucos amigos, sofre um acidente grave e ganha poderes de clarividência. Assim, ela vê seu destino se intercalar com de três jovens garotas (Celeste O’ Connor, Sydney Sweeney e Isabela Merced) que no futuro vão se transformar em três jovens pessoas aranhas. E não só ela, um empresário bilionário chamado Ezekiel Sims (Tahar Rahim) também tem essa mesma visão, só para ele, as três garotas acabam por o matar lá no futuro. E com a ajuda de uma garota de TI (Zosia Mamet da série Girls fazendo muito com pouco) ele começa a caçar as adolescentes antes que elas cresçam e desenvolvam seus podres. Afinal, ninguém é o vilão da sua própria história, não é mesmo?
Das cenas de flashback para formar o quebra cabeça do passado da protagonista, para as cenas no futuro, ou um dos futuros que aguardam esses personagens, e até mesmo alguns diálogos extremamente duros (principalmente um extremamente gratuito e que usa uma das frases mais icônicas do universo do Homem-Aranha), Madame Teia luta o filme todo não só contra um vilão que anda pelas ruas de Nova York, ora descabelado, ora vestido como uma aranha preta, ou com as três adolescentes pentelhas que fogem para dançar em cima de mesas de bares de beira de estrada, mas também com o sentimento de que está faltando alguma coisa ali para dar liga para essa história toda.
A talentosa Johnson tem poucos bons momentos, e se dá melhor na sua figura civil, como uma jovem sozinha no mundo, atormentada, e que fala com animais, do que como uma líder de pessoas aranhas com poderes que apenas são utilizados para dar conveniência para a trama e para as cenas de ação. O resto do elenco faz o que pode. Nem a sensação do momento em Hollywood, a carismática Sydney Sweeney se destaca aqui. Já Isabela Merced é única com um plano B, dentro do mundinho dos super-heróis, e já partiu para outra.
A mitologia que envolve a personagem título, a história de sua mãe (Kerry Bishé), a pesquisa de aranhas, tenta dar um pouco de sustância para o longa, mas o grande problema é que Madame Teia se leva extremamente a sério, e logo somos jogados em cenas extremamente ruins, desconexas, e que principalmente gastam um bom tempo para mostrar visualmente como funciona os poderes da personagem.
Da teia que Madame Teia tece em suas quase 2 horas, pouca coisa se salva. A ambientação dos anos 2000, desde as ruas de Nova York, para os figurinos, a trilha sonora, ajudam a estabelecer um senso de onde estamos no tempo enquanto acompanhamos a perseguição toda que envolve o vilão, a protagonista, e as três adolescentes. Positivamente, a diretora S.J. Clarkson consegue entregar as passagens mais frenéticas de uma forma interessante de se assistir, mas tudo em volta se amontoa de uma forma de arrepiar de lembrar.
No final, fica claro que Madame Teia acaba por ser mais um filme que apoia nessa rede segura que o estúdio tem criado para usar personagens do Universo Aranha sem sair da casinha delimitada pelo acordo com a Marvel. Se por um lado, esses filmes adjacentes acabam por não serem tão bons, do outro lado, longas como os do Homem-Aranha de Tom Holland e as animações com Miles Morales parecem que ficam cada vez melhores.
Madame Teia chega nos cinemas nacionais em 14 de fevereiro.