Enquanto o mundo ainda estava deslumbrado com as primeiras imagens da ida do homem à Lua, Ziraldo – sempre fascinado por astronautas, planetas, astros e estrelas – topou o desafio de fazer seu primeiro livro para o público infantil em um curto prazo. Em apenas dois dias o cartunista finalizou Flicts, um marco na história da literatura infantil brasileira. “…tanto a falta de pincéis e tintas quanto o prazo curto não foram encarados como obstáculos e sim como parâmetros criativos, norteando a busca da melhor forma de se expressar e se comunicar“, comenta Guto Lins em seu texto A Gênese do Gênio, que abre o livro.
Em 1969, o impacto da obra garantiu a admiração de muitos. Entre eles, Carlos Drummond de Andrade, cujo artigo publicado no jornal Correio da Manhã foi reproduzido na edição comemorativa do cinquentenário de Flicts, lançada pela Editora Melhoramentos. “Disse que me faltam palavras: entretanto, o próprio Ziraldo, monstro-inventor de Caratinga, soube encontrá-las, compondo com elas não uma explicação de Flicts, mas um guia lacônico de viagem, para acompanharmos o giro ansioso de Flicts pelo universo. Este guia saiu um poema exato“.
Além de Drummond, Rachel de Queiroz, Zózimo Barrozo do Amaral, Millôr Fernandes, entre outros entusiastas da época, também tiveram seus comentários impressos nesta nova edição.
O livro, que já vendeu mais de 500 mil cópias pela Melhoramentos e foi traduzido em idiomas como inglês, japonês e esperanto, conta a história de uma cor que não tinha lugar no nosso planeta: “Era uma vez uma cor muito triste que se chamava Flicts“. O nome foi escolhido a partir de uma interjeição da tirinha The Supermãe, publicada por Ziraldo no Jornal do Brasil. O cartunista queria uma palavra que pudesse ter a mesma sonoridade em diferentes idiomas.
O que Ziraldo não imaginava era que o livro pararia nas mãos do próprio Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua. O cartunista o encontrou no Rio de Janeiro e lhe deu uma versão do livro em inglês. Após ler Flicts, o astronauta o parabenizou. “Aí eu falei pra ele com meu inglesinho, o senhor está enganado, eu é que tenho que te parabenizar por subir à Lua. Ele respondeu, ‘eu apenas subi na Lua, você fez um livro’“. O cartunista, emocionado com o encontro, pediu que o astronauta autografasse a obra e escrevesse que Flicts era a cor da Lua. Foi aí que surgiu a frase: “The Moon is Flicts“. Desde então, a cópia deste bilhete está presente em todas as edições do livro.
O protótipo da obra foi feito com pedaços de papéis coloridos, utilizando um livro impresso como base; e as ilustrações, que foram criadas com tesoura e estilete, tornaram-se referência para gerações de designers e ilustradores. “Flicts talvez seja o primeiro livro infantil brasileiro em que o termo ‘original’ foi substituído por ‘arte final’“, pontua Guto Lins.
Na nova publicação, Adriana Lins – organizadora da obra e sobrinha de Ziraldo – destaca que a diagramação e a tipografia originais foram resgatadas. “É exatamente o projeto que Ziraldo pensou e fez. Mantivemos as páginas brancas, os silêncios“. O livro, que teve o número de páginas reduzidas para 40 a partir da sua segunda publicação, volta para as suas 80 páginas originais.
Flicts é um convite à degustação, como disse Rachel de Queiroz: “Flicts é como certas bebidas cujo sabor intenso se sente depois de engolido – passa pela garganta como fogo mas fica horas e horas no céu da boca – entre doce e amargo e ao mesmo tempo não é doce nem amargo, é ele mesmo, é fruta e flor, raiz ou folha… Assim é Flicts. Tem que ser devagar, cor por cor, de palavrinha em palavrinha…“.
Boa Leitura!