Aguentar as quase 2 horas de Era Uma Vez Um Sonho (Hillbilly Elegy, 2020) é um teste de paciência que tinha tudo para ser um sonho, mas se torna quase um pesadelo. O americano adora contar histórias sobre a busca do grande sonho americano e como prosperar no meio das adversidades, mas aqui essa história é contada de uma forma em zig zig e que faz, estruturalmente, um filme ruim.
Do diretor Ron Howard, que com suas decisões artísticas são de longe a menor coisa que temos que nos preocupar, o longa é cansativo e envolve os personagens em tantas discussões, conflitos e dramas, que apenas fica claro que foi feito apenas para desesperadamente (tentar) garantir indicações para suas duas atrizes principais, que olha só, curiosamente sempre foram indicadas para o Oscar, mas que nunca efetivamente ganharam. Era Uma Vez Um Sonho?
Glenn Close está anos em Hollywood, já interpretou papéis marcantes para o cinema e nos últimos tempos tem nos entregado boas atuações, e claro, ela Amy Adams que é a Leonardo DiCaprio de saias, afinal quase sempre é indicada em acaba por bater na trave todas as vezes. As duas são o grande chamariz, mas é preciso de mais do que isso.
E em Era Uma Vez Um Sonho, as duas atrizes estão realmente bem diferentes do que já vimos ultimamente, e até entregam (poucas) cenas realmente muito boas e emotivas, mas será que realmente é o bastante para os votantes nas premiações? Pois convenhamos é preciso mais que uma boa peruca, uns dentes falsos e uns gritos em tela. É quase como Era Uma Vez Um Sonho sempre tentasse cruzar um limite ao contar suas histórias, onde seus personagens oscilam entre o vergonhoso e o caricato.
Logo nas primeiras cenas o baque da presença de Close e Adams é sentido, afinal, vemos as duas rapidamente no meio de uma narrativa em off do nosso protagonista o jovem J.D. Vance, interpretado por dois atores diferentes, e aqui no começo criança por Owen Asztalos, que conta para o espectador sobre suas férias de verão no interior dos EUA. E nesse começo, o o choque principalmente fica com Close que é grande por conta de sua caracterização física, mas é a forma de falar e de agir de Adams que desvia a atenção nesses primeiros 20 minutos.
Toda a construção mais simples e esse retrato sofrido dessa grande família americana com seus diversos problemas, alguns segredos e questões espinhosas que era para ser um drama interessante e um veículo para catapultar as indicações de Adams e Close acaba por deixar muito a desejar pelo fato que ao assistirmos o longa os personagens são tão detestáveis que apenas deixa a experiência ser muito difícil. É como se tivéssemos essas pessoas transportadas em tela como uma visão de alguém de fora que não consegue realmente os compreender que talvez não bem o tipo de pessoa para contar essa história. É como vermos uma caricatura dessa parcela da população americana mais humilde e mais simples.
E o roteiro de Vanessa Taylor, que adapta o livro de memórias Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis escrito por J.D. Vance, como falamos, tenta muito ir e vir na trama para causar um certo boom na história que apenas nos faz esperar para assistir qual vai ser o próximo surto de Bev (Adams) e Mamaw, a Vovó (Close) e como isso afetará J.D (já adulto e interpretado por Gabriel Basso) e sua irmã Lindsay (Haley Bennett).
O texto de Era Uma Vez Um Sonho, ao mesmo tempo mostra situações que vilaniza e humaniza seus personagens, e ao fazer isso, quase o tempo todo, vai e volta nas memórias de J.D, onde temos, por exemplo, um momento em que vemos Bev ser completamente amorosa e em outros uma das mães mais péssimas que já passou nos filmes da Netflix. E isso serve para quase todos os personagens e o filme todo. É como se o roteiro de Taylor colocasse uma lupa nesses personagens ao longo do filme e mostrasse toda a complexidade do ser humano nesses quase 2 horas, mas que acaba por não ser uma boa ideia.
O resultado final chega a ser uma trama frankenstein e completamente estranha de se assistir, e que talvez não faça uma boa transição para a mídia visual, em relação ao que seria uma história contada em um livro como deveria. Assim, a trajetória de J.D. como um adolescente tímido e assustado para um futuro advogado em uma das mais respeitadas universidades dos EUA fica um pouco largada aos ventos dos caóticos eventos de sua infância e tudo que aconteceu com sua família, que olha aconteceu muita coisa, como Era Uma Vez Um Sonho deixa claro.
As linhas do tempo do longa se misturam, ao contarem as histórias da infância do protagonista e como Mamaw o salvou da mãe que abusava de remédios e outras drogas, o colocou para estudar e trabalhar, e depois lá no futuro, já adulto, com ele nas vésperas de conseguir uma entrevista em uma firma de advocacia importante e que precisa lidar com mais uma internação dela e se abrir com sua namorada Usha (Freida Pinto). São essas voltas e voltas que Era Uma Vez Um Sonho dá que o deixa muito, mas muito difícil de se acompanhar.
É como o personagem diz, “eu fui salvo duas vezes”, onde aqui em Era Uma Vez Um Sonho não dá para dizer o mesmo. São poucas coisas que dá para salvar o longa que peca em ser uma boa produção cinematográfica e o que faz definitivamente do filme o que chamamos de Oscar Bait, a isca para tentar algum tipo de indicação, se colou ótimo e se não deixa para a próxima.
Era Uma Vez Um Sonho disponível na Netflix.