Logo de cara, dá para dizer, que a premissa apresentada pelos os irmãos Colin e Cameron Cairnes em Entrevista com o Demônio (Late Night With The Devil, 2024) é uma muito boa e chamativa. Isso, claro, se você, espectador e leitor, curtir os bastidores de Hollywood, programas de true crime, e claro, filmes de terror um pouco mais cults e menos slasherzões.
Afinal, é dessa forma que o longa se vende, e o que se pode esperar dele, considerado um dos melhores terrores do ano. É o melhor terror do ano? Não. Mas está ali, pelo menos na minha lista, sim lá nas primeiras posições, sem dúvidas. Particularmente acho que Entrevista Com o Demônio é muito bom, até os seus últimos 10 minutos. O final, e a forma como a história termina, me tirou da experiência maravilhosa que eu estava tendo com o filme. Foi o efeito reverso do que rolou com Imaculada. E olha que fazia tempo que eu não era capturado pela ideia, por um conceito e pela estética de um longa de terror como com Entrevista com o Demônio.
A atmosfera de suspense que os irmãos Cairnes dão para filme, somado com a forma como eles trabalham e executam as ideias apresentadas aqui, e claro, a atuação impecável de David Dastmalchian (visto em Duna, em O Esquadrão Suicida, O Estrangulador de Boston) são o que ditam e dão o tom para o filme. São essas combinações de fatores que fazem o filme começar lá em cima e não deixam a peteca cair em nenhum momento, claro, até o seu final que pode soar um pouco decepcionante para alguns. Pelo menos foi isso que aconteceu comigo.
Afinal, Entrevista Com o Demônio é quase que um programa documental de true crime que conta os bastidores do talk show comandado pelo Sr. Meia-Noite, Jack Delroy (Dastmalchian, talvez, no melhor papel de sua carreira, até o momento) e os eventos que levaram ele e os outros personagens que trabalhavam para ele para bolarem a edição de Halloween, em plenos anos 70, desse programa.
É como Jack fala em um dos momentos do filme: Ele e o Night Owls with Jack Delroy estão “lá no ar, todas as madrugadas para ajudar o País a lidar com a ansiedade e também os fazer esquecer de seus problemas.” E isso é verdade, afinal, durante um tempo Delroy foi a sensação dos programas de talk show, mas sempre batia com a bola na treva, seja na audiência, seja com prêmios televisivos.
Até que a competitiva guerra pelo ibope coloca o programa lá para baixo e a semana onde as medições de audiência estão para chegar. Desesperados para aumentarem os números, e garantirem anunciantes, Jack e o time de produção criam diversos quadro, que poderíamos dizer que são um pouco mais ousados para esse tipo de programa e apostam tudo em alguns convidados que podem fazer a audiência crescer e ajudar o programa a se manter no ar.
E para os fãs, ou seja, quem assiste os talk show americanos, Entrevista Com o Demônio é uma verdadeira, e certeira, homenagem para esses programas e mostra que sim, o showbiz pode ser uma coisa assustadora. Entrevista Com o Demônio é um filme que dá medo? Não é um filme de susto, não, e sim, um que sabe criar uma atmosfera de terror bem caprichada.
Afinal, são nos pequenos detalhes, de luz, de câmera, de som, que os diretos conseguem criar esse sentimento de ansiedade e que alguma coisa tá errada, e é aí que o longa se destaca. É no monólogo de abertura, é na relação do apresentador com o outro apresentador e que lidera a banda, aqui Gus (Rhys Auteri, muito bem também), é na interação com a platéia, e com os quadros que entraram enquanto o programa vai ao ar.
Assim, os Cairnes criam esse sentimento de tensão ao contarem essa história na medida que vemos que alguma coisa sobrenatural está no set do programa, gravado ao vivo, em plena Noite do Dia das Bruxas. E na medida que descobrimos mais sobre o passado de Jack, e os motivos que o levaram de volta para o programa depois da morte de sua esposa Madeleine (Georgina Haig) e mais sobre os convidados, primeiro o guru sobrenatural Christou (Fayssal Bazzi), depois o caçador de charlatões Carmichael (Ian Bliss) e depois a grande atração da noite com a autora de um livro sobre possessões demoníacas, o Conversas com o Demônio, chamada Dra. June (Laura Gordon) e sua paciente a jovem Lily (Ingrid Torelli) que foi resgatada de um culto satânico quando criança.
Todos eles ajudam a criar essa narrativa fantasmagórica na medida que coisas estranhas começam a acontecer no set. Jack, a Dra. June e Lily prometem uma possessão demoníaca, ao vivo, e a antecipação para a chegada desse momento em Entrevista Com o Demônio é sentida e esperada. E pelo filme ser relativamente curto, com 1h30min, a trama tem algumas cenas um pouco mais grotescas aqui e ali, mas não é um filme que assusta e sim que abusa da sensação atmosférica que é criada ao longo dele.
Enquanto vemos a platéia atônita enquanto os eventos acontecem, os membros da produção sem saber o que fazer, um convidado que bate as botas, e revelações sobre o passado do apresentador, Entrevista Com o Demônio entrega o seu melhor. Mas quando estamos por ir para o último bloco, ou os minutos finais do filme, assim por dizer, a trama se embola em querer brincar com o sobrenatural e o resultado não é o dos melhores.
No final, Entrevista Com o Demônio acaba de uma forma abrupta e eclipsa o que poderia ser um excelente filme e com a possibilidade de ser considerado um marco no terror da nossa época. Infelizmente, tanto dentro da história, quanto nos bastidores fora do próprio filme, isso não foi possível. Mas, quando a câmera desliga, a plateia sai correndo, e o destino dos personagens é deixado em aberto, definitivamente fica claro que Entrevista Com o Demônio faz um bom capítulo dentro do gênero do terror.
Entrevista com o Demônio está em cartaz nos cinemas nacionais.