O timing do lançamento de Da 5 Bloods (2020) – disponível na Netflix com o título nacional de Destacamento Blood – não poderia ser mais propício que nunca. Claro, não podemos assumir que os eventos que vemos atualmente são fruto de ações do agora, pois não são, já acontecem há anos, e são decorrentes de uma visão arcaica e que estão enraizados em nossa sociedade há muito tempo.
A diferença é que nos dias atuais, as vozes que lutam contra tudo isso estão mais amplificadas, sabem o poder do seu local de fala, e tentam não ser mais suprimidas como antes. E assim, a poderosa narrativa que Spike Lee apresenta no seu novo filme serve para honrar as lutas do passado, e ainda deve incitar as futuras gerações nessa jornada para não repetir os erros de antes. Da 5 Bloods conta a história dos 5 soldados que retornam para o Vietnã depois de anos da guerra que assolou o país, mas o filme entrega personagens tão reais que poderia ser a história de muitos outros milhares de jovens negros que foram lutar pelos EUA do outro lado do planeta.
Depois que Infiltrado na Klan fez sucesso no Festival de Cannes em 2018, Lee retornaria para o mesmo festival, agora como Presidente do Júri, e com um novo filme, se não fosse por conta do surto de coronavírus. Em parceria com a Netflix, o diretor consegue fazer com que sua voz seja ouvida para uma audiência global, e ainda muito maior, onde com Da 5 Bloods ele novamente escancarou verdades e apresentou um filme intenso e caloroso em contar sua história da forma que apenas Spike Lee sabe contar.
Um dos maiores destaques de Da 5 Bloods fica com o elenco e suas atuações impressionantes que conseguem capturar a atenção do espectador e nos faz sentir dentro do filme ao acompanhar junto com os personagens – e não no lugar deles – a jornada deste grupo de amigos de longa data que estão numa viagem rumo a revisitar o passado que se apresenta doloroso para muitos deles.
Lee e os outros 3 roteiristas Danny Bilson, Paul de Meo e Kevin Willmott apresentam logo de cara esse grupo de pessoas rapidamente, e não nos entregam quase sem nenhum contexto sobre quem eles são ou suas trajetórias, e para onde eles vão. Mas ao longo do filme, o roteiro abre diversas portinhas que nos entregam arcos narrativos que contam como eles foram parar lá, suas motivações, e seus todos os problemas que servir no exército americano, na época da guerra do Vietnã, trouxeram para suas vidas.
Quem rouba as cenas é o ator Delroy Lindo, um dos nomes mais conhecidos do grupo, e que realmente se destaca aqui, onde temos os monólogos mais sinceros e emocionantes do filme, principalmente nos momentos finais de Da 5 Bloods. Realmente Lindo está incrível e já se posiciona para galgar uma chance na próxima edição do Oscar, que assim como Cannes foi, será afetado pelo vírus que assola o mundo. E não se engane, todos os outros atores também estão muito bem, em Da 5 Bloods os atores Clarke Peters, Norm Lewis, e Isiah Whitlock Jr., juntamente com Lindo, possuem uma química incrivelmente bem construída, e realmente se entregam em seus papéis, seja nos momentos de amizade e descontração enquanto seus personagens visitam as cidades do Vietnã e relembram as aventuras do passado de uma forma bem nostálgica, quanto quando, lá na frente, o filme realmente começa a mostrar o motivo da viagem depois de tantos anos.
O começo de Da 5 Bloods é bem dinâmico e Lee reúne recortes de imagens e acontecimentos reais que marcaram a história da comunidade negra nos EUA com cenas fictícias dos personagens e realmente deixa o filme com um ar mais documentário, igual foi o final de Infiltrado na Klan, e que aqui novamente faz toda a diferença na estética que a produção se apresenta e na forma como a história é contada.
A forma como o longa mescla as histórias do passado, via flashbacks, da primeira vez que o grupo de amigos esteve na guerra, em que tela tem um ratio diferente de como vemos as cenas no presente são muito bem trabalhadas e dão um certo charme para o longa que deveria ser incrivelmente interessante de se acompanhar em uma gigante tela de cinema.
E mesmo com um ótimo começo, Da 5 Bloods parece que perde um pouco seu ritmo quando vemos efetivamente o grupo adentrar na floresta em busca dos restos do antigo capitão Stormin’ Norman (Chadwick Boseman muito bem) que morreu em combate, e claro, das barras de ouro que deveriam ter sido pagas para os vietnamitas na época e que agora dão sopa por aqui escondidas todos esses anos.
Aqui, Lee e o time de roteiristas percebem que nesse miolo é que precisam colocar mais ação em Da 5 Bloods para não perder o espectador durante as 2 horas e 35 minutos que o filme tem, e é isso que acontece mesmo que muitas das opções que a história do filme entrega acabe por ser bem previsíveis para o desenrolar da trama. Violento e cheio de questionamentos morais, Da 5 Bloods mostra essa amizade rachar por conta de desavenças esquecidas e deixadas de lado por anos, e claro, sobre como a grande fortuna que eles carregam muda as relações do grupo.
O roteiro, nessa sua parte central, consegue criar tensão e trabalhar os personagens e seus relacionamentos de uma forma bastante interessante. Da 5 Bloods também mostra a vastidão de sentimentos humanos, sejam eles bons ou ruins, que se afloram nesses amigos durante a viagem e que conseguem fazer com que cada um deles, de sua maneira, confronte o passado e algumas de suas escolhas. Paul (Lindo) precisa se reconciliar com o filho David (Jonathan Majors), Otis (Peters) com uma amante de longa data, e ainda todos eles com as consequências que a guerra trouxe para suas saúdes físicas e mentais.
Da 5 Bloods poderia ter alguns bons 20 minutos a menos, mas isso não tira o mérito, e a importância, da história que Lee que contar e passar. O drama faz uma longa reflexão sobre a posição dos EUA com seus soldados, e nas guerras que o país se envolveu, sendo que para a população negra diversas outras batalhas eram enfrentadas diariamente, e ainda são, basta acompanhar os noticiários.
No final, Da 5 Bloods entrega uma história cheia de simbolismos e que gera um sentimento inquietante contra as injustiças cometidas num filme imensamente relevante para os dias atuais. A voz de Lee continua uma das mais relevantes e únicas hoje em Hollywood, onde com Da 5 Blood, o diretor nos entrega um filme marcante e extremamente relevante para os momentos atuais e que dá uma aula de como não repetirmos os erros do passado.
Destacamento Blood (Da 5 Bloods) disponível na Netflix.
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