“Você vai embarcar em uma jornada. Uma jornada pela memória. Só o que tem que fazer é seguir minha voz.” E toda vez que o personagem de Hugh Jackman dizia essa frase em Caminhos da Memória (Reminiscence, 2021) era como se a voz calma e serena do ator me puxasse de um limbo dentro dos meus pensamentos “O que será que vou almoçar hoje? Será que eu paguei tal conta? Nossa tá calor hoje né?” e me fizesse voltar para o filme… afinal por mais que o longa se apresentasse com uma premissa super bacana, um elenco talentoso e uma ambientação noir super convidativa… eu ficava me perguntando por que Caminhos da Memória faz um filme tão desinteressante?
Todo o combo que a diretora e roteirista Lisa Joy nos apresenta aqui parece que teríamos uma coisa tão bacana e que poderia gerar o início de uma nova franquia para a Warner Bros., mas ao juntar tudo isso, o que temos é um filme de pouco mais de 2 horas que acaba por soar apenas… ok? E com Hugh Jackman, Rebecca Ferguson e Thandiwe Newton no elenco eu não quero ok, eu quero ser impactado, surpreendido, maravilhado. E no final com Caminhos da Memória eu só quero esquecer e deletar o filme da minha memória. Um dos filmes mais fracos do line-up do estúdio no ano, e digo isso sem pestanejar.
Claro, Caminhos da Memória tem seus bons momentos e quando são bons, o filme é muito bom, sem dúvidas. Mas o longa parece só engrenar lá pelos seus 30 minutos finais. Do começo com Hugh Jackman fazendo seu monólogo de abertura até lá é tudo tão conceitual, tão cheio informações que são jogadas para você o tempo todo e que nos deixa preso em um marasmo gigante que nem parece que você está vendo um filme, e sim um grande episódio introdutório de uma série.
O ritmo que Joy coloca em Caminhos da Memória é um típico de séries de TV. Pequenos momentos de tensão ao longo de sua duração, onde a narrativa fragmentada para contar a história de como o veterano de guerra chamado Nick Bannister (Jackman, até que bem aqui), que trabalha como investigador particular ao usar o poder das memórias – mais um tanque sensorial e um palco que projeta hologramas – para ajudar a polícia de Miami, parte em busca da mulher dos seus sonhos. Assim, o filme acaba por nos entregar uma mistura de investigação com romance que demora realmente para engrenar.
Ao assistirmos Caminhos da Memória é como se tivéssemos perdido nossas chaves (usando a narrativa do filme!) e ficássemos o tempo todo tentando lembrar onde ela está. A premissa está ali, o foco do que queremos está claro, mas a forma como tudo se desenvolve de um jeito não é apresentado de uma forma muito clara, assim como uma memória, e é como Joy trabalha com Caminhos da Memória.
O longa nos introduz para esse mundo pós apocalíptico que seria o pontapé inicial de uma caríssima série na HBO Max, onde as marés subiram e alagaram boa parte da cidade, o tempo endoidou e as pessoas trocam o dia pela noite por causa do calor. Com o mundo de cabeça para baixo, a população se apega com seus momentos do passado e usam a máquina de Bannister para verem, reviverem, e sentirem suas emoções e lembranças mais uma vez. A habilidade de Joy para criar esse novo mundo é sem dúvidas impressionante, a ambientação, as localizações e o uso de efeitos especiais são aqui um dos poucos grandes chamativos de Caminhos da Memória.
O longa é extremamente convidativo, ah lá A Origem e Tenet, do diretor Christopher Nolan. Mas ao mesmo tempo que a TV e o streaming conseguem entregar boas produções sinto que Caminhos da Memória, como filme, não conseguiu chegar nesse patamar. É como se tivéssemos em um spin–off de Westworld (trabalho também de Joy, só que aqui com o marido Jonathan) só que foi criado para a telona. E Westworld mesmo com seus altos e baixos me parece muito mais cinematográfico do que esse filme, por exemplo.
E mesmo com a presença magnética de Ferguson que aqui interpreta Mae, uma mulher misteriosa, que entra na vida de Bannister da mesma forma e intensidade que sai, e que consegue com Jackman criar um relacionamento bem bacana ao longo do filme entre esses personagens nem tudo é fácil para eles.
Afinal, o texto de Joy demora muito tempo para colocar os pingos nos is e ir realmente para o que importa. É como se a roteirista/diretora criasse sempre uma distração para a história: é o caso da introdução dos Barões que comandam esse novo mundo e tem o controle das terras secas, como o caso de uma poderosa família envolvida em corrupções como o Barão Walter Sylvan (Brett Cullen), sua esposa Tamara (Marina de Tavira) e o filho deles, Sebastian (Mojean Aria) ou até mesmo de um chefão do submundo do crime de Miami, Saint Joe (Daniel Wu) que tem conexões com a personagem de Fergson e uma droga.
E essas tramas paralelas só ajudam o filme a ter um certo sentido lá na frente quando as pontas são amarradas na trama de uma maneira geral. É como se Joy colocasse todos esses personagens ali apenas para preencher o espaço para ter essa duração de quase 2 horas que precisava para dizer que “Temos um filme e não um mega piloto de tv que depois desenvolver os outros episódios e etc.”
E talvez por vermos todos as outras figuras conhecidas de outros trabalhos da diretora na TV como a própria Newton, onde aqui ela continua totalmente bad-ass como Watts, a parceira de negócios de Bannister que também tem seus demônios para combater, e ainda Angela Sarafyan, como Elsa, uma cliente do tanque das memórias que que no final tem um papel completamente importante para a trama.
Na medida em que Bannister parte na busca de Mae que desapareceu no meio das memórias que os dois tiverem, Caminhos da Memória entra numa espiral do que é real e o que ficou no passado sem nunca olhar no presente, um que o espectador estará por experienciar enquanto assiste o longa. No final, nem sempre se apoiar no conceito ajuda, por mais que você se cerce que competentes e talentosos atores.
Um filme que não ficará marcado na minha memória. Uma pena.
Caminhos da Memória disponível nos cinemas pela Warner Bros.
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