A premissa da Biônicos (2024), o novo filme nacional da Netflix, até que é, de certa maneira, uma interessante. O longa se passa num futuro não tão distante, onde a tecnologia avançou de uma forma que conseguiu ajudar o desenvolvimento de próteses sintéticas com o intuito de auxiliar, e também de redefinir, o mundo dos esportes. Assim, a trama acompanha duas irmãs que lutam para se manterem relevantes em suas categorias e uma organização que é contra o uso dos membros biônicos nas competições.
Mas a questão é: mesmo com a trama bebendo da fonte de superproduções americanas, com um elenco de nomes conhecidos e um orçamento que transparece ser razoável para um projeto nacional e no streaming, será que Biônicos entrega um bom filme? Olha te falar, até que temos um bom filme, um dentro do esperado para uma produção da Netflix, onde Biônicos não deixa a desejar para nenhuma outra produção DENTRO da plataforma, mas ao mesmo tempo tem, claro, seus problemas.
O roteiro escrito por um grupo de 4 pessoas, Josephina Trotta, Cris Cera, Victor Navas e Afonso Poyart (que aqui também dirige o longa), se preocupa mais em se apoiar em pequenas reviravoltas, e no visual distópico e futurista de Biônicos, do que contar uma história realmente boa e robusta. Mesmo que como uma premissa super interessante, o longa não parece conseguir mesclar o debate das questões morais que essa história precisaria ter com o formato blockbuster que o longa entrega e que precisa bancar para se dar bem na plataforma.
É novamente aquela história de sempre, do algoritmo com fome e que precisa ser alimentado. E é a vontade do algoritmo e a busca da Netflix de querer contar histórias originais locais com apelo global, que talvez, seja um dos principais problemas de Biônicos. Já que se em outras produções internacionais do catálogo vemos uma forte presença regional do país em que a história é contada, aqui em Biônicos a brasilidade para caracterizar o país no longa é deixada de lado. Claro, como uma pessoa que nasceu, viveu e mora em São Paulo, te digo que dá para identificar certos pontos da cidade, onde o longa foi gravado, mas de certa forma Biônicos acaba por entregar uma cidade, e uma ambientação bem genérica e sem uma característica marcante.
Claro, a regionalização de alguns diálogos, de algumas gírias, e falas, dão o tom mais urbano para o filme, mas claramente, quando exportado (legendado, dublado para outros países) pode ser que algumas coisas se percam e deixem o filme ainda com uma aparência ainda mais pasteurizada e sem identidade ou carisma. E isso, sim, de fato, atrapalha um pouco a experiência de assistir Biônicos, mesmo que a história nunca desacelere e sempre nos deixe querendo saber o que vai acontecer, seja com a trama, ou com esses personagens.
O que fica claro aqui é que Biônicos é um filme criado para agradar tipo para um público bastante específico, um mais jovem, afinal, como falamos, não consegue trabalhar bem seus mistérios e ser um blockbuster que abrace todos os públicos. Afinal, alguém realmente comprou que a corredora Maria (uma expressiva Jessica Córes) tinha realmente sofrido um acidente? Ou que a personagem e sua irmã Gabi (Gabz) não iam disputar uma corrida juntas? Ou que Heitor (Bruno Gagliasso muito bem) não seria realmente o grande vilão do filme e escondia alguma coisa mais do que parecia mostrar?
A simplificação na narrativa que Biônicos faz, de querer contar uma história que poderia se desenvolver em várias camadas e subtextos para se adequar para o gênero do grandioso, do filme de espectáculo, é sentida aqui, sem dúvidas. Mas isso também não impede também do longa realmente explodir em cores neon. E não só na ambientação futurista, nas roupas, nos cenários. Boa parte dos efeitos visuais de Biônicos, desde das pernas dos personagens, para a composição da cidade, e dos jogos Paralímpicos que boa parte da trama de se passa, são de dar inveja para qualquer outra produção no catálogo.
E que no final, servem para dar uma tapeada em alguns diálogos mais duros, algumas falas mais robóticas (!), e algumas passagens mais sem pé nem cabeça que o longa oferece. Acho que Córes lidera o elenco de uma forma bastante competente, e o mesmo vale para Gagliasso que tem se encontrado fora do mundo das novelas. Danton Mello aparece pouco, aqui interpreta o detetive Guerra que investiga a organização comandada pelo personagem de Gagliasso, mas entrega um personagem ok e no mesmo DNA das séries procedurais americanas.
E normalmente sempre o destaque nas produções que atua, infelizmente o ator Christian Malheiros, que interpreta aqui o cara do TI, o Tio do Tech e irmão das protagonistas, parece só repetir seu personagem em Sintonia, o que é uma pena. Já Paulo Vilhena, como o engenheiro da empresa de tecnologia responsável pelas próteses biônicas e os chip de tecnologia que vem com elas, parece que resolveu sair fantasiado com uma versão caricata do Dr. Robotnik de Jim Carrey nos filmes de Sonic.
Mas de toda forma o elenco realmente parece entrosado, onde alguns elevam o trabalho dos outros e fazem o que podem com o roteiro e seus altos e baixos. Afinal, enquanto a trama dá uma oscilada, o diretor Afonso Poyart tenta ao máximo garantir boas cenas de ação, perseguição e dependem de efeitos especiais para fazer o espectador embarcar nessa jornada desses atlas. E realmente algumas são bem boas.
Assim, fica claro, que o papel de Biônicos é de apenas cumprir seu papel de alimentar a plataforma com conteúdo nacional e entrega o filme do Cyborg que nós, fãs da DC, nunca pudemos ter devido as reestruturações no selo da empresa americana. No final, Biônicos não ofende como outras produções na plataforma, mas também não chega a empolgar ou deslumbrar. Daqui uma semana, outra produção maior estreia, volta com nova temporada, e o filme ficará lá no catálogo disponível para quem quiser se aventurar com longa por 2 horas.
Biônicos está disponível na Netflix.