Polêmicas de lado, o diretor Roman Polanski consegue entregar um suspense psicológico instigante e bastante inquietante em Baseado em Fatos Reais (D’après une histoire vraie, 2017) onde suas duas protagonistas acabam passando uma atuação bem sincronizada em um jogo de gato e rato, perigoso, cheio de dualidades e que exige do espectador um pouco de atenção e uma preocupação com os detalhes.
Na trama temos a escritora de sucesso Delphine Dayrieux, uma boa Emmanuelle Seigner que depois de lançar um livro sucesso de vendas atravessa uma fase de bloqueio criativo para escrever o seu próximo título. Num mix de pressão e vulnerabilidade ela acaba se envolvendo com Elle, a magnética Eva Green, uma mulher fã de sua obra. Assim, uma série de eventos que vão desde um encontro em um café até encontros em festas fazem com que a dupla acabe desenvolvendo uma amizade para lá de estranha, um pouco obsessiva e até mesmo doentia.
Vamos deixar claro uma coisa aqui, Baseado em Fatos Reais tem um gancho que permeia todo o filme, não vamos contar aqui para não estragar a surpresa e nem a experiência de quem assiste, mas sim, o filme como um todo gira em torno desse evento, desse momento onde a chavinha é virada e vemos o filme de uma outra maneira. Alguns podem descobrir logo de cara e ver o filme com certos olhos e outros podem ficar o tempo todo sem reparar.
Mesmo com detalhes rápidos mas importantes para o desenvolvimento da trama passando em vários momentos durante o filme, essa questão é muito importante para o entendimento da produção. Algumas cenas foram filmadas para realmente deixar sua história rolar de uma forma natural mesmo que em algumas partes isso não deixe o longa soar de forma natural e nem sua trama desenrolar de uma forma orgânica, pois a sensação que passa é que sempre alguma coisa prende o filme de decolar.
Baseado em Fatos Reais é puramente dúbio e um filme de observação. Sutil, a produção entrega em suas cenas uma história bastante discreta para quem assiste. Liga na primeira vista, a produção parece mais um drama francês excêntrico mas aqui cabe a quem assistir notar as pequenas dicas, os diálogos e a postura dos personagens para acabar percebendo a mensagem o que o filme quer transmitir. Nada nele é óbvio, mesmo com algumas cenas feitas realmente para parecer assim, seja no foco numa bota, num cachecol ou até mesmo numa queda na escada, o filme tem em sua dualidade um dos seus acertos.
O filme tem o jogo de troca entre suas protagonistas seu maior triunfo. Seigner não é nenhuma Marion Cotillard ou uma Isabelle Rupert mas entrega o necessário em cena e faz de sua personagem um papel estranho, meio off, desconexo da realidade e que passa um sentimento de nervosismo bastante grande. Já Eva Green é extremamente cativante e faz uma personagem misteriosa, cheia de segundas e terceiras intenções e que engole todos a sua volta. Na medida que o roteiro avança, a atriz faz com que a cada cena sua personagem fique mais transtornada e completamente fora dos eixos num ótimo trabalho.
O filme tem uma história simples, sem muitas reviravoltas (tirando aquela citada logo acima) e acaba sendo mais uma experiência de troca entre as atrizes. Baseado Em Fatos Reais acaba deixando o elefante branco tomar conta da loja de porcelana e o desconforto das interações entre as personagens é gigante mas completamente justificável com a história a ser contada.
O filme não chega a ser uma surpresa se você pode já sacar sua trama logo no começo coisa que o longa erra ao fazer quem percebe isso logo de cara ficar esperando uma certa confirmação, onde a expectativa e validação de teoria nunca chega mas acerta em colocar boas atrizes em cenas que flertam com o suspense e com o sentimento gritante de loucura e obsessão. No final, Baseado Em Fatos Reais acaba sendo filme perturbador mas que se atrapalha um pouco na sua execução.
Baseado em Fatos Reais chega ao Brasil 12 de abril, depois de estrear no Festival de Cannes e no Festival do Rio de 2017.