O momento inquietante do “apocalipse” parecia chegar para a família Graff, mas como uma criança via essa situação? E como ela tinha o conhecimento da importância daquilo que vivia? São com essas indagações, e outras mais, que o diretor James Gray nos entrega o drama Armageddon Time (2022).
Gray está de volta depois do reflexivo Ad Astra – Rumo às Estrelas (2019) para contar uma história de amadurecimento nos EUA em plenos anos 80, com Presidente Reagan no poder, ainda em clima de Guerra Fria e da chamada “ameaça comunista” pelos olhos de um jovem rapaz chamado Paul Graff (Banks Repeta) e sua família de trabalhadores de classe média que lutam para viverem suas vidas da melhor forma possível.
Com Armageddon Time então, o diretor nos apresenta apresenta esse coming of age com esse contexto histórico super específico e importante para entendermos, e compreendermos, como as atitudes dos membros da família Graff, o jovem Paul, sua mãe Esther (Anne Hathaway), seu pai Irving (Jeremy Strong), seu irmão mais velho Ted (Ryan Sell) e seu avô Aaron (Anthony Hopkins) moldam a narrativa do filme mesmo que o longa não tenha o mesmo charme estético e visual de Belfast (2021), um exemplo mais recente de outro diretor fez uma vistinha para suas memórias de infância.
Na medida que vemos Paul sair cada vez mais do núcleo familiar, Armageddon Time coloca esse menino artístico e sonhador para enfrentar o mundo real, onde as coisas rodavam em um outro ritmo no qual ele estava acostumado. O longa fala sobre o poder, e o conhecimento, de privilégios e o que fazer com eles quando temos situações complexas vistas pelo ponto de vista simples de uma criança.
Os paralelos que o texto de Gray faz como situações familiares para depois entregar um contraponto em situações maiores mostram como as atitudes podem mudar ao longo do tempo quando temos um maior conhecimento delas e de suas implicações.
Armageddon Time fala sobre a perda da inocência na medida que a vida acontece e situações novas chegam para nos mostrar a dificuldade do mundo e os percalços que todos enfrentamos ali e aqui. E o pano de fundo é essa Nova York oitentista, caótica cidade, onde Paul faz amizade com um colega de classe chamado Johnny (Jaylin Webb, muito bem), um garoto negro que vem de uma outra realidade, de um outro contexto social e racial que o nosso protagonista vive, mas que unidos por um sentimento de inquietação formam uma amizade, seja ao se posicionarem contra um professor linha dura, escaparem da turma durante uma viagem para o Museu Guggenheim e viverem sua própria versão de Curtindo a Vida Adoidado (1886), ou até mesmo o uso de substâncias ilegais na escola.
Gray foca nas relações familiares primeiro para depois focar na relação de amizade dos garotos, onde as duas tramas se conectam lá na frente na medida que ambas sofrem drásticas mudanças por conta de eventos que acontecem em ambos os núcleos e fazem Paul amadurecer muito rápido.
Na parte da família, Armageddon Time pinta o retrato de uma casa onde os problemas são os mais comuns, mas tem sua importância na dinâmica familiar na medida que o jovem começa a compreender mais sobre coisas que antes não sabia. O longa tem dois atores extremamente talentosos que fazem valer a pena estarmos nas caóticas cenas de jantar, onde Paul não quer comer a comida feita pela mãe e quer pedir a entrega de bolinhos ou de reunião de família quando seu futuro acadêmico é decidido.
Hathaway parece ter voltado depois de seu período sabático e um pouco mais focado em produções para o streaming com força total e é o destaque do início do longa. Sua personagem é entregue como uma mãe ponta firma, que une a família, mas extremamente humana quando eventos impactam a dinâmica familiar lá para os momentos finais do longa, quando a personagem acaba por ser deixada um pouco de lado pela narrativa.
Já Strong está muito bem, afinal, parece sempre estar imerso em seus papéis para entregar aquilo que é pedido para seus personagens e faz um contraste muito bom para o que tem entregue há anos na série Succession. Mas realmente o que faz o longa ter um charme único é a presença de Anthony Hopkins. O veterano vencedor do Oscar entrega momentos de doçura, alguns mais alegres, outros extremamente tristes, e tem passagens com o jovem Repeta que são algumas das cenas mais interessantes e bonitas que Armageddon Time tem.
As mudanças que a trama coloca para o jovem Paul, a chegada na nova escola, o contraste desse local de ensino privado e diferente da escola pública que ele estudava com Johnny, e a ampliação mais uma vez do mundo que Paul vivia, marcam o início da saída do jovem da fase mais infantil para a de ser um jovem adulto, onde o tema de privilégio é tocado mais uma vez quando temos algumas participações especiais (Olá Jessica Chastain) e uma conexão maior com a realidade com os Trumps no meio da trama.
Os acontecimentos finais que o longa apresentam mostra um pouco de como a sociedade americana era na época, onde muito se ramificou para os dias atuais, e envolvem os recém chegados computadores e uma intensa conversa com o pai no carro. Esses minutos que encarram o longa apenas mostram as diferenças de como serão as vidas desses jovens possivelmente ex-amigos daqui para frente, onde a nova realidade se apresenta para Paul de forma mais chocante e dá para o garoto mais gostinho ruim de que existe um mundo maior, mais complexo, e difícil, para enfrentarmos quando saímos de nossas bolhas.
No final, para o jovem nem tudo é o fim do mundo, mas algumas vezes até que é.
Armageddon Time chega no circuito em 10 de novembro.