Claro que o próximo projeto do diretor indie e sensação do cinema independente Sean Baker seria um para se prestar atenção, mas o fato de Anora (2024) ter levado a Palma de Ouro em Cannes, no começo do ano, ajudou, e muito, a colocar o filme no mapa. E meses depois da estreia no festival francês, de ter levado o prêmio máximo, e com distribuição garantida, já pipoca em diversas listas e em apostas para a temporada de premiações.

E é realmente não é por nada não, mas como Anora é bom viu? E mais que isso, faz um dos filmes dos mais legais da temporada, assim como também um dos melhores do ano, até então. Anora é tudo isso sim e você vai ficar obcecado por ela e pela atuação arrebatadora de Mikey Madison que aqui está incrível de ver e se descobrir ao longo dessa trama.
Logo que o filme começa, basicamente em durante toda sua trajetória, e principalmente quando termina, dá para entender os motivos que Cannes e os jurados da edição deste ano caíram de amores pelo filme. Anora entrega um conto de fadas do avesso, caótico, cheio de cores, brilhos e confusão. É realmente um acerto impressionante de todos os envolvidos.
E realmente tudo começa com a figura de Ani, o nome de guerra que a jovem Anora (Madison) usa enquanto trabalha numa boate do Brooklyn como stripper e dançarina. Contextos e explicações de porque Ani trabalha lá fogem do esperado “por conta de trauma”, onde realmente Madison, e o roteiro de Baker, pintam essa jovem como alguém extremamente carismática, inteligente e que completamente dá o seu melhor em sua profissão. O cliente quer tomar um drink com ela? Que pague! O cliente quer uma dança num quarto privado? Que pague! O tempo dela é valioso e ela sabe o seu valor. É um pouco idílico demais da parte de Baker? Pode até ser, mas aqui, isso tudo ajuda a contar essa história e mostrar que as coisas não são aquilo que parecem ser.
E isso fica claro quando um jovem cheio da grana, o engraçadinho e com carinha de bom moço Ivan (Mark Eidelshtein, seguindo a linha de Timothée Chalamet de magrinho confiante) vai para o clube uma noite, Ani já está de olho em faturar um mais para o desespero das outras colegas do lugar.
Um shot aqui, uma dança ali e Ivan parece ficar extremamente obcecado pela jovem e rapidamente a convida para passar uns dias na sua mansão. O que realmente vem como uma surpresa para a jovem que começa a se indagar sobre de onde vem tanto dinheiro. E na medida que Baker vai por construir esse início de relacionamento entre os dois, ah lá Cinderela, ah lá Uma Linda Mulher, o diretor não poupa o espectador de cenas mais apimentadas que realmente estão ali para dar um contexto para a história e para esses personagens.
Larguem de puritanismo que estamos num filme sobre o mundo de jovem profissional do sexo e que tudo parece estar ligado nos 220v. Particularmente, eu adoro os excessos que Baker coloca, seja na trilha sonora, nas reviravoltas, ou na forma como ele usa todo para escalonar a trama, principalmente quando Ivan, depois de fechar a semana com Ani, resolve levar a jovem para Vegas com os amigos dele e depois no meio da farra, bebidas, e uso de substâncias ilegais, acaba por casar com ela em uma capela qualquer numa madrugada qualquer.
E é aí que o filme basicamente começa a mudar sua história, por que o que se nesse momento o que tava rolando era um conto clássico de garoto encontra garota, quando os capangas dos pais dele para anular o casamento, Baker retira a figura excêntrica e acelerada de Ivan (que foge quando descobre que seus pais vem para os EUA) e coloca Ani para lidar com os seguranças liderados por Toros (um ótimo Karren Karagulian e que trabalhou com Baker em Tangerine, Red Rocket e Projeto Flórida) e Igor (Yura Borisov que deu as caras em Compartment Number 6, alguns anos atrás).
Ao mesmo tempo que a situação parece se complicar para Ani, Baker efetivamente nunca a coloca em perigo efetivamente, afinal, Toros e Igor podem parecer ameaçadores, mas tentam lidar com a situação da melhor forma possível e entregam uma cena que até se extende um pouco mais do que deveria, mas que dá o tom para esses personagens e o que eles representam na jornada de Ani até então.
Mas também não deixa de ser outro momento que Baker parece abusar um pouco da situação. É na criação dessa dinâmica que o filme ganha uma nova roupagem, onde vemos a jovem dar um baile nos capangas, e Baker vai por trabalhar a segunda parte do filme, onde aos poucos, nos tira do conto de fadas e nos coloca de volta para a realidade nua e crua.

E na medida que o trio precisa encontrar Ivan antes que os pais chefões do crime russos chegam, o longa sofre com uma barriguinha narrativa. Mas nada que impacte a história e a forma como Baker que contar. Aqui é a presença de Madison em basicamente todas as cenas acaba por ser tão cativante, tão maravilhosamente convidativa, que definitivamente é um filme que vale os minutos extras que Baker infla já que Anora que segue com quase 2h30min de duração.
E entre troca de socos, lenços vermelhos, sangue, e chutes, Anora constrói essa narrativa de uma forma que deixa nós os espectadores apreensivos com o que vai acontecer e como as coisas vão acontecer. Baker leva um pouco de tempo para firmar a figura de Ani (e revelar aos poucos a figura de Anora) como uma garota destemida e bad-ass, mas ao longo do filme a armadura que ela usa apenas vai para expor rachaduras e mostrar essa jovem humana.
Das cenas mais cômicas e que não deixam de mostrar um sentimento de tensão que escalona de desconforto, e aqui jamais pelas cenas de sexo, e sim pela situação doida que os personagens são colocadas, Baker usa todo o charme de Madison para contar essa história. O que começa com Anora se vendo metida em uma grande confusão com o filho de oligarcas russos montados na grana e também meio malucos e furtados, acaba por se transformar em outra coisa.
E na medida que armas são postas na mesa, ameaças são feitas, e quantidades abusadas de dinheiro são exigidas, fica claro que para Ani, ela só quer sair desse vórtex doido que se meteu e ir para casa e viver a vida dela como Anora. No final, gostamos também mais de Anora do que de Ani.
Filme visto em sessão de imprensa do longa em Outubro.
Anora chega nos cinemas nacionais em janeiro de 2025.