A diretora Coralie Fargeat realmente criou um pacote interessante com A Substância (The Substance, 2024). E olha que o filme é somente o segundo projeto dessa diretora francesa que desde de Vingança (2017) já vem por colocar seu nome no mapa do entretenimento.
E agora, com esse body horror, Fargeat apostou num gênero realmente polêmico, escalou um dos grandes nomes em Hollywood para atuar ao lado de uma das promessas dessa nova safra e dessa nova geração de atrizes, e claro, ainda se beneficiou do longa ter levado prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes, onde fez pré-estreia mundial na edição 2024.
E A Substância não deixa de ser um filme com substância mesmo e que vai dar o que falar, e ter um burburinho gigante, onde fazia tempo que um projeto assim não invadia o circuito comercial. O que temos é filme tão original, tão visceral, e que não pede desculpas para ser, e contar, o que quer e da forma que quer.
Definitivamente, A Substância é um que entrará na lista de filmes marcantes de 2024, sem dúvidas, e um que realmente vai mudar para sempre a relação do espectador com o gênero e com a forma como body horror é recebido pelo público casual e que realmente deverá furar a bolha. Nesse tipo de Branca de Neve moderno, meio Convenção das Bruxas, e Carrie, A Estranha, cheio de regras, Fargeat brilhantemente coloca a figura de Demi Moore como uma atriz chamada Elisabeth Sparkle que já viu seu momento de brilhar passar e hoje dia ela vive por apresentar um programa de ginástica na TV curiosamente chamado Sparkle Your Life.
O visual lá em cima, a legião de fãs, as oportunidades que são abertas pelo olhar fulminante e a boca carnuda, já se tornam mais escassas, e o chefão da emissora que ela trabalha, aqui interpretado por Dennis Quaid, que curiosamente se chama Harvey, já planeja substituir Sparkle por um talento mais jovem. Só ela que não sabe ainda.
E depois de uma série de eventos desesperadores, a atriz aposentada se vê com uma proposta tentadora e ao mesmo misteriosa: ela pode receber A Substância, um líquido que separa o corpo de quem usa em dois e gera a melhor versão de você. A pegadinha? Essa nova e melhorada versão do usuário só tem 7 dias disponíveis para andar por aí. Depois disso, precisa de outros 7 dias para se recompôr, onde cumprir esse balanceamento e esse equilíbrio, é fundamental para as coisas darem certo.
Levante a mão se você trocaria anos de vida pelo chamado corpo perfeito? Como visto em Fleabag, a questão em A Substância assola e persegue também a protagonista aqui. E no texto bem estruturado de Fargeat criado para A Substância, e que dá de 10 a zero em diversos outros filmes na forma como cria e estabelece as regras e a mitologia desse mundo, Moore sustenta essa personagem como ninguém.
Das indagações, dos fraquejos, das perguntas e o que ela realmente está pronta e disposta para fazer para voltar para aquela sensação de ser uma pessoa especial, desejada, e vista, Moore está excelente em todas as cenas. E se, narrativamente falando, Farjeat dá um banquete que é entregue sublimemente por Moore, o mesmo vale para Margaret Qualley que personifica muito bem Sue, a melhor versão dessa atriz, e que vai atrás do papel para ser a nova apresentadora do tal programa de TV. Meio doido né?
E na medida que A Substância brinca com essa ideia de novos corpos, separados por uma substância misteriosa, coma induzido, cicatrizes, agulhas e transfusões, tanto Qualley quanto Moore conseguem mostrar o quão importante é essa divisão para as duas e o quanto isso significa para elas duas e de diferentes maneiras. Mas claro, quanto mais perto do sol essas duas figuras voam mais problemas teremos. E Fargeat não cansa de nos surpreender com diversas reviravoltas na narrativa que são sempre com um tom mais sombrio mesmo que boa parte do longa seja bem iluminado e brilhante.
A forma como as duas personagens estão basicamente em caminhos opostos, mas mesmo assim tem uma jornada paralela de superar seus limites, é muito interessante de se acompanhar. Assim, A Substância apenas escalona essa história na medida que os problemas na divisão começam a bater na porta de Sue e Elizabeth. Fargeat transforma essa história a cada momento em alguma coisa mais surreal, bizarra e inacreditável de se assistir na medida que ambas as versões dessa atriz começam a se digladiar entre si pelo controle do corpo.
E ao fazer isso, Fargeat não poupa esforços em chocar. Ao exibir cenas gráficas em tela, fica claro que A Substância faz isso de forma consciente para ajudar a contar essa história. Das cenas em close-up (não só no rosto, mas em diversas partes do corpo), para os momentos onde a câmera está longe e foca mais no cenário e não nas atrizes, fica claro que nada é gratuito e tudo ajuda a narrativa a chegar nos momentos finais que realmente atingem um ápice de doideira e loucura como a tempos não tínhamos no cinema.
Os cenários enxutos, onde basicamente o que temos o apartamento de Elizabeth, o banheiro, a sala, e o set de gravação do programa, para a crítica ferrenha em relação a cultura e idealização da beleza e da juventude na sociedade atual, o cutuque na própria Hollywood que caiu de amores pelo filme e as atuações monstruosas de Moore e Qualley fazem de A Substância ser um dos mais mais interessantes de 2024. É ver para crer, e sair realmente mudado com esse filme. Digamos que um novo você surgirá.
A Substância chega em 19 de setembro nos cinemas.