A força motora que tem guiado Hollywood nos últimos tempos é entregar projetos que vão se apoiar na nostalgia. E claro, principalmente naqueles que vão tentar capitalizar em cima de uma propriedade intelectual já conhecida para, pelo menos, tentar também dar para o espectador um sentimento de conforto, quando o mesmo é convencido a entrar numa sala de cinema, e de se conectar, mesmo por algumas horas, com uma história mais conhecida do que alguma coisa totalmente inédita. E assim, o nome do jogo é fazer o espectador adentrar em uma nova aventura, mas que tenha um sentimento, quase como um déjà vu, de lugar comum e que em algum momento já tenha se aventurado nesse caminho e possivelmente gostado para retornar.
E assim, seja os spin-offs, prequels, ou derivados de produções clássicas continuam a lotar as salas, afinal, clássicos são clássicos né? E com A Primeira Profecia (The First Omen, 2024) o que temos aqui é isso.
É um retorno para o Universo de A Profecia, lançado em 1976, e que marcou o gênero na época e aterrorizou muitas pessoas, juntamente com O Exorcista (1973). E justamente esses dois filmes tão marcantes na memória dos amantes da sétima arte que retornaram com novos capítulos para tentar manter seus legados vivos e até mesmo quem sabe introduzir essas histórias para novas gerações. No ano passado, a franquia Exorcista falhou em fazer um retorno que prendesse a atenção do público e o projeto de trilogia foi rapidamente reformulado, mas aqui A Primeira Profecia, é mais consciente do que quer fazer, justamente, por dar uma pernada menor do que deveria dar e consegue entregar alguma coisa bem interessante de se assistir já que aposta no simples e no básico.
E no final das contas, de certa forma, não tem nada tão errado nisso. Acho que a característica principal do longa é acertar o tom de suspense, mesmo que deixe o terror de lado, e focar no ar de conspiração que o filme original tinha. E ao mesmo tempo, A Primeira Profecia acerta também ao trilhar um caminho de forma própria e consegue se desvencilhar da necessidade de termos que fazer lição de casa para assistir esse. Afinal, o que temos aqui é a história de uma jovem freira americana (Nell Tiger Free) que vai para a Itália para se juntar a um monastério e que acaba por trombar em situações e eventos sinistros. Viu? Nada de novo, e A Primeira Profecia até faz par com outro filme lançado nos EUA nas últimas semanas, o Imaculada que segue basicamente o mesmo enredo. Vamos saber em Maio quando estrear por aqui.
E como falamos, a trama durante o filme todo soa bastante simples, mas a atmosfera que a diretora Arkasha Stevenson consegue criar aqui é bastante imersiva de se assistir. A Primeira Profecia não se apoia em sustos fáceis, ou em tentar copiar e seguir o que deu certo no longa original. Em vez disso, entrega um terror um pouco mais conceitual, sem deixar cenas extremamente gráficas e explícitas rolarem quando acompanhamos a jornada da protagonista. Particularmente, tem duas que devem ser as mais chamativas, e que vão dar o o que falar, mas também não é nada que já não tenhamos visto, e até mesmo no streaming.
Assim, A Primeira Profecia não tem cenas que propriamente vão te assustar, mas te deixará tenso na ponta da cadeira tentando reunir todas as pistas que são apresentadas na medida que a jovem Margaret chega no país, sem saber falar a língua do lugar, se vê no meio de situações angustiantes e que desafiam o seu bem estar no lugar e ainda a fazem refletir sobre o seu passado.
Da relação com a colega de quarto Luz (Maria Caballero), uma também freira, só que mais festeira e que não sabe se ser freira é a sua verdadeira vocação, para a Irmã Silvia (da brasileira Sônia Braga, aqui ótima mesmo com pouco tempo de tela) que comanda o lugar, para o Cardial Lawrence (Bill Nighy), que conhece Margaret a vida toda e serve como uma espécie de figura mais velha e conselheira, e também para toda a mitologia de A Profecia, o filme original, que como falamos, não guia essa história, mas ajuda a contar tudo isso. A Primeira Profecia vai por apresentar peças de um quebra-cabeça para contar essa história, extremamente focada nessa jovem.
É isso tudo, mais o trabalho de Free, que finalmente consegue se desvencilhar dos seus anos na série Servant, e a atriz se destaca e consegue comprovar ser uma nova promessa no horror, sem dúvidas. O trabalho corporal de Free é fundamental para o espectador embarcar nessa história e com o que Margaret passa e sofre na medida que os problemas que teve quando criança a fazem conectar com uma órfã (Nicole Sorace) atormentada que ela dá aula.
Como falamos, o clima de conspiração lideradas pelo trabalho sensacional de Ralph Ineson como o Padre Brennan, para as cenas mais simbólicas, e todo o trabalho de produção de A Primeira Profecia, se conectam com a trama que entrega reviravoltas e viradas na história que são bastante interessantes de juntar todas as peças. Claro, quando Brennan se junta com Margaret, o longa fica mais explicativo, e quase precisa mostrar tudo mastigadinho para o espectador, mas também a trama ganha uma guinada mais violenta quando as suspeitas que as irmãs do convento parecem que não adoram o cara lá de cima e sim o lá de baixo ganham mais forças.
Assim, para os amantes do gênero, talvez, A Primeira Profecia acabe por ser uma produção que deixe a desejar por conta de ser mais “terror elevado”, com cenas mais conceituais e menos gore do que o esperado. Mas ao conseguir contar sua história da sua própria forma e também responder perguntas chaves sobre a mitologia de A Profecia, o longa que narra os eventos antes do nascimento do jovem Damien garante que, pelos menos os fãs da franquia original, tenham algumas respostas.
A Primeira Profecia está em cartaz nos cinemas nacionais.