Em entrevistas para promover Tipos de Gentileza (Kinds of Kindness, 2024), o diretor Yorgos Lanthimos comentou que desenvolveu e gravou o longa junto com a edição e promoção de Pobres Criaturas que, talvez, tenha sido seu filme mais comercial, mais debatido, e que levou diversos prêmios na temporada passada.
E talvez, seja por isso, que Lanthimos e Emma Stone tenham conseguido emplacar esse novo filme tão rápido e poucos meses depois que a temporada de premiação que Pobres Criaturas participou tenha passado. Tipos de Gentileza estreou no Festival Cannes, em Maio, com toda a pompa, já que é o primeiro, e um dos mais badalados, festivais da nova temporada que se inicia pós-Oscar.
Enquanto os cinéfilos e a indústria ainda curtiam a ressaca pós-temporada, Lanthimos, Stone, e a produtora Searchlight correm para pegar um restinho do trem do hype que rolava. E deu certo, afinal, o buzz em torno de Tipos de Gentileza foi grande no primeiro semestre de 2024. Mas sinto também que o diretor, a própria Stone e querendo ou não a própria Searchlight tenham queimado cartucho com o longa e basicamente gastaram todo o capital que ganharam com Pobres Criaturas.
Não é que Tipos de Gentileza seja horrível, mas, definitivamente não tem o mesmo charme que os dois últimos projetos de Lanthimos e que ajudaram a colocar o nome dele no mapa. Em Tipo de Gentileza, o que temos é Lanthimos voltar para um tipo de estranheza lá do seu começo de carreira quando ele nos entregou A Lagosta (2015) e Sacrifício do Servo Sagrado (2017). Fica claro, que esse filme foi chance do diretor entregar uma doideira somente pelo fato que ele pode entregar e não ficar se desculpando sobre isso.
Tipos de Gentileza são 3 histórias separadas, mas com algum tipo de conexão entre si, que efetivamente não se sustentariam como um filme, filme, de pouco mais de 2 horas. Talvez, a primeira história, mas acho que nem ela, mesmo sendo a melhor das três, conseguiria dar fôlego para tanto. Talvez a ideia aqui tenha sido seguir para um caminho igual com Nimic, o curta estrelado por Matt Dillon, e lançado após o sucesso de A Favorita.
O que é uma pena por que as histórias contadas aqui em Tipos de Gentileza até dariam bons filmes. Afinal, começam bem estranhas e depois ao longo do tempo, e por conta do elenco fenomenal que Lanthimos escolheu aqui, que dá conta do recado, nos faz se envolver com esses personagens, suas motivações, e o tom de mistério que o roteiro desenvolve.
É como se estivéssemos vendo um episódio de Além da Imaginação, mas com uma reviravolta não é tão escancarada assim. E sim, uma mais sutil, artística, e doida. Tipos de Gentileza é descrito como uma fábula, e no meio de uma edição bem feita, cenas para chocar, e claro, bons momentos que passamos com Emma Stone, Jesse Plemons, Willem Dafoe, Margaret Qualley, Hong Chau e Mamoudou Athie não dá para dizer que as 2h45min de filme seja um desperdício. Mas também, o sentimento vazio que você não leva para casa também é sentido.
Nem mesmo ao vermos Stone dirigindo alucinada um carrão roxo pela estrada, ou de Qualley interpretando gêmeas e pulando em piscinas, ou de Plemons tacando um chutão numa parede em um hotel de luxo é o bastante para que Tipos de Gentileza seja uma experiência marcante. Claro, Plemons faz valer o prêmio que levou em Cannes e está incrível de bom, e se camaleoa fisicamente em cada história. Seja como um executivo bigodudo que precisa aceitar tudo que o chefe (Dafoe) manda ele fazer, ou um policial que acredita que sua esposa (Stone) que desapareceu e depois voltou para casa, não é quem ela diz ser, ou ainda, um hippie de cabelo raspado que ajuda uma mulher (Stone) a encontrar a pessoa destinada a liderar uma seita espiritual.
Se Plemons está tendo um bom ano, aqui e com a participação marcante em Guerra Civil, não dá para dizer que com Tipos de Gentileza, Stone já tenha superado o que entregou com Pobres Criaturas. Não é o melhor papel de Stone, mas também a atriz está excelente e parece continuar extremamente confortável em trabalhar com Lanthimos nas doideiras que o diretor propõe e aqui não foge à regra. Nada tão gráfico quanto Pobres Criaturas, mas temos aí alguns momentos que devem dar o que falar quando o filme, em algum momento, sair da bolha cinéfila. Já Dafoe segue fazendo o papel de personagens doidos e aqui, mais uma vez, está bem doido num aquecimento para o que deve entregar tanto na sequência de Beetlejuice, quanto em Nosferatu no final do ano.
Já a sempre competente Chau, talvez, seja a que mais entregue personagens diferentes no filme e realmente está muito bem. Seja uma dona de casa ou uma líder de culto. Os relativamente novatos Athie e Qualley conseguem esticar as pernas e realmente mostrarem um certo alcance dramático aqui. E para Qualley é ótimo, afinal, é o primeiro de dois filmes doidos que a atriz faz no ano junto com A Substância.
Esteticamente e visualmente Tipos de Gentileza seja o filme mais feio de Lanthimos, somente pelo fato que é o filme mais realista do diretor depois de ter passado pela Londres antiga em A Favorita e toda a doideira que foi com Pobres Criaturas. Mas o diretor compensa com o roteiro que sabe estabelecer, no meio do caos narrativo que essas histórias se apresentam, um bom humor.
Sombrio, incômodo e pontual, mas que não deixa de ser engraçado, no contexto, que a história apresenta. Quando chegamos no ato 3, talvez, o mais maluco de todos, a sensação de motivação de querer saber o que o diretor vai tirar da cartola para essa terceira história, é bastante latejante, afinal, já viemos de 2 outros contos que realmente surpreendem narrativamente falando.
No final, Tipos de Gentileza continua a cavocar na mente humana, nas ações e consequências dos atos humanos e como algumas atitudes podem gerar ramificações inesperadas para nós e para os outros. No meio das pirações, das reflexões, e das doideira Lanthimos definitivamente entrega aquilo que sempre entrega em seus filmes: alguma coisa pirada. E com Tipos de Gentileza não é diferente. É preciso ver para crer e tirar sua própria opinião. Com certeza, não é o tipo de filme para todo mundo.
Tipos de Gentileza chega em 22 de agosto nos cinemas nacionais.