quarta-feira, 04 dezembro, 2024
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Senna | Crítica: Atração prioriza repetecos das corridas e foca em narrativa Wikipédia

Atração da Netflix prioriza repetecos das corridas e foca em narrativa Wikipédia em vez de contar uma boa história. Nossa crítica de Senna.

A dificuldade de se adaptar eventos históricos em uma produção de ficção é gigante e fica claro que tentar vencer esse desafio é o que mais incomoda ao assistir a minissérie nacional Senna disponível na Netflix. Com 6 episódios, a atração derrapa na pista ao tentar contar a história do ídolo esportivo Ayrton Senna, entrega uma produção que deixa a desejar em alguns sentidos, e que claramente, não faz jus ao legado do corredor. 

A Netflix tem no seu catálogo, por exemplo, e a título de comparação, a série The Crown que contava a história dos anos do reinado da Rainha Elizabeth. A monarca, assim como, o piloto brasileiro, viveu muitas situações que foram retratadas, exploradas, e mostradas a todo canto do mundo pela mídia e que, de certa forma, marcaram suas trajetórias em vida e como o público conheceu essas personas públicas.

E o que diferenciou The Crown de outras produções, e no que mais a atração acertava, ainda mais por ser também uma atração ficcional, era que a trama conseguiu recriar esses tais momentos conhecidos e intercalar com as passagens as portas fechadas, ou seja, situações vividas por essas figuras que, nós, o público, não sabíamos o que realmente tinha acontecido, discutido, ou falado. 

O que rolava por trás dos muros do palácio de Buckingham com esses personagens a portas fechadas e fora dos holofotes? Não sabemos, mas The Crown conseguiu ao longo das temporadas recriar isso muito bem, afinal, era uma série ficcionalizada que dava uma aberta para tal. Coisa que Senna, de certa forma, não faz aqui. A sua própria maneira, a atração nacional prioriza as emoções das corridas, e do repeteco da recriação das mesmas, em vez de focar em querer contar uma boa história de ficção com uma narrativa coesa e bem amarrada.  

Na medida em que a minissérie tenta recriar as diversas corridas marcantes da carreira de Ayrton Senna (um competente Gabriel Leone, mas aquém do que vimos ele entregar em Dom, por exemplo), a atração falha em não conseguir popular uma narrativa entre esses momentos. É como se estivéssemos vendo recordes variados, momentos saídos diretamente da página do Wikipédia da vida de Senna e acompanhamos seus anos desde do início da carreira na Inglaterra, com a ida com esposa Lilian de Vasconcellos (Alice Wegmann) para a Europa, sua ascensão no mundo do esporte, até os dias finais, já com o personagem sendo três vezes campeão do mundo na Fórmula 1, e ponderando se participaria da corrida de Ímola, no Grande Prêmio de San Marino, lá nos anos 1994 e que foi a sua última corrida em vida.

Não é que Senna seja só essas corridas, ou que tenha corridas demais, e sim que a série tropeça em ter tudo isso em um roteiro que é corrido em diversos momentos. Claro, a atração tem momentos que a narrativa trabalha com esses momentos a porta fechadas, seja com as cenas com os pais Miltão (Marco Ricca) e Zaza (Susana Ribeiro), nos pitstops, nos Boxes, e nos bastidores entre as corridas. Mas são poucos os que realmente conseguem se destacar.

Mas por outro lado, assim como em The Crown, Senna faz um trabalho de produção impecável, com excelentes escolhas de figurinos, cabelos, cenários, ambientação e caracterização de personagens de maneira geral. É um trabalho impressionante de se ver pela preocupação nos detalhes, sim e como ajudam a contar a narrativa e ambientar o espectador nas épocas retratadas. 

Pâmela Tomé e Gabriel Leone em cena de Senna. Foto: Cr. Guilherme Leporace/Netflix ©2024

Mas ao mesmo tempo tudo isso parece que fica em segundo lugar, quando o que temos, pelo menos nos primeiros episódios, são uma toneladas de informações picadas, personagens, e uma narrativa truncada como se a atração tivesse um problema no seu motor. Eu sinto que a série do Senna realmente só engrena lá pelo episódio 3 e se desenvolve realmente no episódio 4, muito por conta da entrada da apresentadora Xuxa (uma excelente Pâmela Tomé) na trama. É como se Tomé fosse a entrada da Princesa Diana na trama de The Crown.

A presença da personagem, e muito por conta do trabalho incrível de caracterização da atriz, que está incrível, traz um sentimento de frescor, onde parecia que enfim, depois dos tenebrosos episódios iniciais, agora, a série iria, enfim, descolar. Afinal, por mais emocionantes que as corridas sejam, boa parte delas, estão aí em vídeos no YouTube, para qualquer dar play, e talvez, sejam mais legais de ser revistas na íntegra do que ver as que são recriadas para a série. 

E é com isso que Senna peca, em não mostrar mais de quem realmente era a figura humana que Ayrton era. Senna realmente entrega seus melhores momentos quando se lembra de fazer isso. Será que Senna e Xuxa realmente dançaram Heart Of Glass, da cantora, Blonde em uma festa da Fórmula 1 em Milão? Possivelmente não, mas para a narrativa dessa história ficcional, esse momento, por exemplo, fez todo sentido para a trama da série, com o desenvolvimento do personagem que Leone queria entregar, com a dinâmica que o ator e Tomé trazem para o contexto de vida que ambos vivem e tudo mais.

Será que Senna e a irmã Viviane (uma desperdiçada Camila Márdila que faz o melhor que pode nas poucas cenas tem) decidiram criar o Instituto Ayrton Senna em uma conversa em um píer à beira do mar? Talvez não, mas é a mesma coisa, Eu poderia ficar mais por mais uns 2 parágrafos falando de situações que a atração acerta em construir uma narrativa para a trama e conectar tudo que vemos. E é isso que mais atrapalha a experiência que é assistir Senna. Sinto que faltou mais momentos íntimos, de bastidores, para dar contexto para a história ficcional desse personagem e sair de ser uma atração que apenas recria as corridas. 

Matt Mella e Gabriel Leone em cena de Senna. Foto: Cr. Alan Roskyn/Netflix ©2024

E não precisava ser apenas da vida pessoal, não. Nos momentos finais, por exemplo, a atração tem boas passagens com as confusões internas que Senna se metia com os chefões da Fórmula 1, o maior deles interpretado aqui por Arnaud Viard e que ajudam a dar o contexto para a narrativa que guia os últimos episódios, para as diversas trocas de escudeiras, as rivalidades com os outros pilotos seja o colega de equipe Alain Prost (um ótimo Matt Mella), o piloto Piquet (Hugo Bonemer) e também as amizades como Ruben Barrichello (João Maestri) e os diversos treinadores nas escuderias que passou.

Talvez, pelo fato que a série quis focar mais no ângulo Senna herói nacional e não Senna a pessoa muitas figuras importantes da vida do piloto ficaram de fora, ou foram moldadas para serem colocadas em outros personagens. É o caso da jornalista criada para a série para representar a relação de Senna com a mídia de maneira geral e que foi uma outra péssima decisão. Por mais que a atriz brasileiro-americana Kaya Scodelario esteja bem, é uma personagem que pouco faz sentido narrativamente falando para a trama e que ocupa momentos que poderiam ser de Senna com outros personagens.

O mesmo dá para dizer do locutor Galvão Bueno (Gabriel Louchard, muito bem) que além de ser a voz que mexe no imaginário popular por conta do seu trabalho nas corridas, na série, assume também função de melhor amigo e confidente de Senna quando claramente o piloto tinha uma trupe de amigos e inclusive, um deles, que nem é retratado aqui, foi motivos de uma das polêmicas que envolveram o piloto. E também claro da má utilização da figura de Adriane Galisteu (​​Julia Foti), atriz e namorada do piloto na época do acidente, que aparece pouco na atração, e nem é citada nos cards que pipocam no canto da tela para mostrarem quem são as diversas figuras que circulavam no mundo do piloto.

Senna foge de tentar ser um documentário da vida do corredor, ao mesmo tempo que gasta momentos importantes ao longo dos episódios, que tem quase 1 hora de duração para recriar passagens entre vitórias, outras decepções, para o piloto. Sinto que faltou um trabalho maior de preocupação de não correr com roteiro, e tentar manter certas questões, e personagens, na história, sim para criar uma história que conseguisse envolver todos eles e não os fazer pipocar entre cada uma das corridas. 

No final das contas, parece que Senna é uma versão TikTok sobre a figura do piloto, que além de apagar certas partes da vida dele, quer reescrever a história. E o que acaba por ser um trabalho de ficção, se torna um não sabe o que quer ser de verdade. Quem sabe daqui outros 10, 15 anos, não tentamos a repetição dessa história por um olhar um pouco mais imparcial, sem tanto com cara de homenagem corporativa, e sim visto de fora? Por que agora em 2024 com essa minissérie que temos é apenas uma homenagem, sim, bonita e emocionante, mas também extremamente controlada de uma figura com uma mega importância histórica e que merecia ser retratada de uma formava que apresentasse mais da figura complexa que o piloto parecia ser.


Os 6 episódios de Senna estão disponíveis na Netflix.

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Miguel Morales
Miguel Moraleshttp://www.arrobanerd.com.br
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