“Todo casamento tem seus segredos” afirma um dos personagens de Rebecca – A Mulher Inesquecível (Rebecca, 2020), mas aqui não é nenhum segredo afirmar que quando se trata do novo projeto do diretor Ben Wheatley temos um filme que deixa a desejar, com uma trama contada de uma forma nada sutil, e apressada em apresentar seus personagens. Em resumo, o que deveria ser mix de suspense e mistério acaba por ser um filme apenas esquecível em sua proposta e que será apenas uma nota no rodapé entre as diversas adaptações que a história já teve.
Baseado no livro da década de 30, escrito pela autora Daphne du Maurier, o filme Rebecca – A Mulher Inesquecível seduz o espectador com coisas brilhantes que servem para desviar nossa atenção do que efetivamente o filme quer contar. E mesmo que Wheatley tente entregar um longa visualmente charmoso fica claro que Rebecca – A Mulher Inesquecível não é nenhum conto de fadas, como também não faz um bom suspense e a altura de Alfred Hitchcock. O Rebecca de 2020 parece ficar preso em diversos filtros de instagram, entrega mais conceito do que efetivamente fazer uma boa adaptação. Mesmo com boas intenções, o longa se perde em reviravoltas tediosas e brinca com a paciência do espectador ao entregar uma história mediana para esses personagens que vivem num mundo de opulências, de fachada, e armações.
E infelizmente, o roteiro escrito por três pessoas (Jane Goldman, Joe Shrapnel e Anna Waterhouse) sofre com essa falta de identidade própria, e falha em se distanciar da obra original, e de tentar sair das sombras do longa de Hitchcock. Aqui, é como, efetivamente, lemos um livro onde as coisas acontecem como se tivéssemos em capítulos determinados e com cenas marcadas que precisam acontecer de qualquer jeito independente da forma como serão colocadas e costuradas no longa: é a cena onde os protagonistas vão se encontrar pela primeira vez, é chegada na Mansão, é a cena do Baile, e por ai vai. Por conta de termos várias pessoas cuidando do roteiro, Rebecca – A Mulher Inesquecível entrega um filme meio frankenstein.
Lily James no papel principal faz o filme parecer uma mistura de Cinderella (que a atriz fez para a Disney) com uma A Bela e Fera mais sombria, onde a mocinha fica presa num grande castelo com uma Fera terrível e diversos serviçais a sua disposição. Mas claro que Armie Hammer não é nenhuma Fera, e aqui entrega uma presença charmosa em tela mesmo que o ator não tenha conseguido mostrar para que veio. A escolha de James e Hammer parece ter sido feita para nos distrair dos problemas do roteiro que o filme se depara. A única pessoa que parece ter sido bem escalada e está excelente é a atriz Kristin Scott Thomas como a governanta Sra. Danves que esconde mais segredos do que a mansão Manderley tem de quartos.
“Noite passada sonhei que voltava à Manderley novamente” E falando em mansão, é curioso que a Netflix tenha aproveitado a semana após o lançamento da série A Maldição da Mansão Bly para estrear o longa, é como se quisesse que o seriado puxasse para o filme o interesse dos assinantes no seriado. O casarão, sim faz parte da história, juntamente com sua antiga dona, a ex-Sra. De Winter, a tal Rebecca do título que faleceu, mas efetivamente não conta uma história de fantasmas. E chega a ser engraçado o longa ter como título a personagem enquanto seus protagonistas são outras pessoas, mas isso só mostra a força e a influência que a mulher tinha, não só com a família De Winter, mas com seus serviçais e a comunidade que fazia parte. E a falecida Rebecca nunca dá as caras efetivamente, mas sua presença ronda o filme o tempo todo e afeta o relacionamento do ex-marido, e viúvo Maxim, o Sr. De Winter (Hammer) com uma nova jovem (James) depois que conhecemos os dois em viagem. Ele de férias após sua esposa morrer, e ela, como dama de companhia de uma ricaça (Ann Dowd, em poucas, mas ótimas cenas). O longa entrega paisagens lindas, um tom amarelado que deixa o tom de fase de lua-de-mel de Maxim e da garota ser transportado em tela quase como um sonho, e de uma forma bem idílica para contar seus acontecimentos. Mas o mesmo tempo que toda a produção visual de Rebecca – A Mulher Inesquecível é um charme, James e Hammer não conseguem mostrar para onde vão com seus personagens, não entregam boas personalidades para eles, são opacos, e não demonstram carisma nenhum. E assim, quando a trama galopa rumo para a Mansão Manderley, e a jovem assume suas funções como a nova Sra. De Winter no casarão, que o filme tenta mudar de ritmo, mas tudo continua igual.
James faz um trabalho irritante de uma garota assustada com tudo e com todos que faz Rebecca – A Mulher Inesquecível entregar passagens difíceis de continuar. É o mistério que envolve a morte da antiga Sra. De Winter, é os lapsos de raiva do marido, e claro, a relação da garota com a Sra. Danvers sobre o funcionamento da casa. Rebecca – A Mulher Inesquecível parece flertar com diversos temas que tocar, mas não se aprofunda em nenhum deles, e navega pela a manipulação psicológica que a jovem sofre, e ainda os misteriosos eventos sobre a morte de Rebecca e a forma como ela era tratada pelo marido. E depois, como num passe de mágica, vemos a trama mudar, como um clique, piscou perdeu, e todos os personagens viraram de lado, e quem era bom se torna ruim, e quem era ruim se torna bom.
É como se estivéssemos no momento de virada da novela A Favorita sabe? Mas aqui é tudo entregue de uma forma completamente sem pé nem cabeça, e que não dá tempo do espectador se ambientar com essa mudança repentina. O aparecimento do corpo da antiga Sra. De Winter gera diversas perguntas, diversas revelações, e muda nossa concepção sobre a índole dos personagens, onde parece que a trama gira mais que a nova Sra. De Winter ao ficar transtornada durante o Baile que promove junto com a nova cunhada Beatrice (Keeley Hawes da série Segurança em Jogo).
Toda a composição de figurinos, Hammer sempre impecável e Thomas também, e a construção dos cenários principalmente dos cômodos da mansão Winderly são realmente de nos deixar de boca a aberta, mas nem tudo que reluz é ouro como já diria o ditado. Em Rebecca – A Mulher Inesquecível temos apenas um filme que se apoia na sua estética visual, e pouco se salva em seus 20 minutos finais, para tentar contar uma história sobre relacionamentos abusivos, obsessão e traições dos mais diversos tipos.
No final, quem acaba traído é o espectador que esperava aclamação mas recebe um filme super esquecível. O que é uma pena, afinal Rebecca – A Mulher Inesquecível tinha um enorme potencial que é completamente jogado fora.
Rebecca – A Mulher Inesquecível chega em 21 de outubro na Netflix.