Uma das coisas mais surpreendentes e fascinantes que notei com Uma Noite Em Miami… (One Night In Miami…, 2021) é que temos aqui um filme que consegue ser tão atual, entregar uma história com temáticas tão modernas, e que acendem um alerta para algumas das mesmas discussões que tantas décadas depois também continuam, e são pertinentes, para os dias de hoje.
No filme, o que os personagens dizem, lá nos anos 60, continuam por acontecer ainda atualmente, basta ligar no jornal, ou acessar a tag #BlackLivesMatter nas redes sociais. E Uma Noite Em Miami… entrega uma produção simples, faz um filme simples, mesmo não deixe de ser vibrante e grandioso em sua proposta, e como falamos, completamente ligado nos temas que vem sendo debatidos há anos e que ganharam muita força em 2020.
Regina King, no seu primeiro papel como diretora depois de ter levado prêmios e mais prêmios por sua atuação, entrega aqui um olhar maravilhoso e completamente minucioso para as histórias desses homens. King consegue fazer com que adentramos o quarto de hotel onde boa parte da trama se passa, e assim, consegue fazer que o espectador seja transportado para esse minúsculo espaço em que grandes debates acontecem.
Em Uma Noite Em Miami… o ar teatral, e as disposições dos atores em cena, que oscilam em tela cada um com um momento de destaque em frente para câmera é proposital. O longa em roteiro de Kemp Powers (co-roteirista de Soul), baseado na peça de teatro escrita por ele mesmo, e acho que isso tudo apenas dá um certo charme para o longa, afinal, os personagens falam e falam sem parar durante vários momentos e aqui Uma Noite Em Miami… consegue quebrar essa barreira e se mostra ser mesmo um filme e não uma peça gravada.
Uma Noite Em Miami… entrega um texto maçudo, carregado, no melhor estilo Aaron Sorkin, e aqui faz completamente a diferença para acompanharmos a história desses quatro amigos que se reúnem para uma inesquecível noite em Miami… uma que vai mudar suas vidas para sempre.
Claro, tudo que se passa é baseado livremente no que realmente aconteceu em Fevereiro de 1964 e Uma Noite Em Miami… consegue fazer isso de uma forma bastante interessante de se acompanhar e realmente cativante de se assistir. Afinal, queremos saber o que acontecer, como vai acontecer, e tudo que vai acontecer com esse grupo. Os quatro atores do elenco principal estão muito bem, mas particularmente Leslie Odom Jr. e Kingsley Ben-Adir estão incríveis, e para mim, são os grandes destaques do filme. Acho que todos os quatro tem seus momentos de destaque e passagens que realmente conseguem terem suas chances, e nunca se sobrepõem uns aos outros.
Odom Jr. carrega uma força nos momentos finais com a música A Change Is Gonna Come e Ben-Adir tem um monólogo maravilhoso onde ele conta a história de como seu personagem conheceu o de Odom Jr. Essas duas cenas, para mim são os ápices do filme, sem dúvidas. Mas são nos momentos de discussões acaloradas no terraço, dos debates morais sobre o movimento negro e da tentativa de se mobilizar para luta contra o racismo que o longa deve ganhar o espectador e os votantes nas premiações.
“Já faz muito tempo, mas sei que uma mudança virá.” canta o personagem de Odom Jr. e em Uma Noite Em Miami… esse grupo de amigos se reúne para acompanhar a luta de Cassius Clay (Eli Goree, um carisma sem tamanho) contra Sonny Liston (Aaron D. Alexander) para garantir o título em uma partida pelo Campeonato Mundial de Pesos de Boxe. Clay não era o favorito, mas acaba saindo vencedor. Assim, ele se reúne com seus amigos, o cantor Sam Cooke (Odom Jr.), o jogador da NFL Jim Brown (Aldis Hodge, ótimo e que tem pelo menos duas cenas dramáticas sensacionais) e o ativista Malcolm X (Ben-Adir).
O que seria uma noite apenas de celebração, e bebedeira, se torna uma grande – e magnética para nós espectadores – lavagem de roupa suja e debates sobre a comunidade negra e como eles defendem a união para combater o preconceito. A grande questão do filme é que Malcolm X quer que Clay se converta ao Islamismo para ter uma pessoa de peso ao seu lado no discurso para a Organização Nação do Islã que ele representa. Claro, sabemos que Clay mais tarde se tornaria Muhammad Ali, mas o longa mostra os personagens debatendo se se são contra ou a favor, e claro, cada um, e seus problemas, ganha um pouco de destaque.
Seja de Brown para mudar de carreira e partir do esporte para o cinema, de Cooke em usar sua voz para cantar músicas mais autorais, ou até mesmo de Malcolm com sua paranóia sobre ser perseguido pelo governo e pela própria organização que atuava (ele foi assassinado em 1965).
Assim, Uma Noite Em Miami… ganha fôlego e ritmo enquanto o debate entre esse grupo de rapazes se aflora e posições firmes são dadas, ideias são discutidas, e no final, as vidas deles mudam e muito. E como falamos, o ar teatral e as grandes falas que são ditas com um fôlego impressionante e com tanta paixão pelos atores deixam Uma Noite Em Miami… ser um filme que cria exponencialmente vários pequenos climax ao longo de sua trajetória para contar a história desse grupo e nos deixa com a esperança que sim as coisas podem mudar.
Uma Noite Em Miami... disponível no Prime Video.