sexta-feira, 22 novembro, 2024
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O Escândalo | Crítica

Todos os acontecimentos envolvendo as funcionárias da FOX News retratados em O Escândalo (Bombshell, 2019) são mostrados em paralelo aos acontecimentos envolvendo as acusações para o executivo Harvey Weinstein. Estes eventos são o que chamamos do começo da era Me Too, o movimento que desencadeou as mulheres a se manifestarem de forma muito mais vocal contra assédio sexual nas empresas e mudou a forma que o mundo encarava a situação.

Charlize Theron and John Lithgow in Bombshell (2019)
O Escândalo – Crítica | Foto: Paris Filmes

Em O Escândalo, temos um filme que se apoia em uma edição incrivelmente bem montada, e um roteiro escrito por Charles Randolph que nos entrega falas para as personagens em passagens bastante inspiradas para ambientar o espectador numa Era pré movimento contra os assédios no ambiente de trabalho. Poderoso e incrivelmente bem atuado, O Escândalo faz uma a recriação dos fatos que une pessoas reais e personagens fictícios para contar uma história que debruça em eventos que mudaram o cenário televisivo e da cultura corporativa americana de formas que ainda são sentidas até hoje.  

Com direção de Jay Roach, uma figura mais acostumada com comédias dos anos 2000, O Escândalo parece ser uma mistura de filme dirigido por Adam McKay com Aaron Sorkin, onde ao mesmo tempo é cheio de falas rápidos e diálogos longos, tenta contar isso de uma forma descontraída e engraçadinha, como se tivesse ao mesmo tempo ilustrando os acontecimentos de uma forma feita para vender seu peixe numa grande apresentação de negócios, é o que alguns colegas chamam de filme power point.

Mas O Escândalo acaba por entregar uma coisa mais televisiva, e assim, um pouco menos cinematográfica, quase como se fosse um documentário para TV que passaria na HBO, sabe? A câmera acompanha as personagens, o tempo todo, como se fizesse questão de passar o sentimento, que estamos lá com elas, onde as pessoas quebram a quarta parede algumas vezes, e o filme tenta estabelecer um diálogo entre o público e a história. É como se O Escândalo mostrasse que o espectador poderia estar envolvido com aquilo mesmo que não trabalhasse na FOX News.

O Escândalo faz então um verdadeiro, intenso e despojado olhar sobre a cultura do assédio, e que mostra diversas situações que podem acontecer em qualquer empresa, com qualquer um, por mais conhecido ou não que a figura seja. 

O longa é bem estruturado, e é como se seguisse a cartilha de filme de super-herói ….O Escândalo apresenta suas principais figuras, seus dilemas, seus conflitos, e suas ambições, para depois lá na frente fazer que as personagens se unem contra a fator em comum, o mesmo agressor, o chefão Roger Ailes (John Lithgow, ótimo).

O filme trabalha as sutilezas das agressões vividas por essas mulheres de uma forma bastante interessante. Liderados por uma Charlize Theron completamente irreconhecível como Megyn Kelly, a apresentadora que se viu em um turbilhão de eventos envolvendo ataques pessoais do futuro presidente Trump, e as polêmicas eleições de 2016, ao mesmo tempo que lutava contra uma cultura sexista no seu ambiente de trabalho. Assim, O Escândalo consegue contar pela figura de cada uma delas, as diversas formas de assédio, sendo bem didático em várias, mas não tão explícito, e como isso afetou a sanidade mental das trabalhadoras da emissora.

Nicole Kidman, Margot Robbie, and D'Arcy Carden in Bombshell (2019)
O Escândalo – Crítica | Foto: Paris Filmes

Theron brilha numa atuação minuciosa, precisa e realmente intensa. A atriz tem o costume, e a habilidade de se transformar completamente para seus papéis – o que a levou a ganhar o Oscar em 2004 pelo filme Monster: Desejo Assassino – e em O Escândalo a atriz realmente incorpora a apresentadora de uma forma bastante chocante. O mesmo vale para Nicole Kidman que mesmo um pouco apagada como a apresentadora Gretchen Carlson, eleva a qualidade do longa como ninguém. Carlson, claro, é fundamental para a trama acontecer, mas fica bastante isolada das outras personagens logo após sua saída da FOX News.

Realmente quem tem o espaço para roubar as cenas, é Margot Robbie que se afirma novamente como uma das atrizes mais talentosas, e versáteis da geração. Robbie assume o papel de Kayla Pospisil, uma funcionária novata (e fictícia) que acaba por representar diversas mulheres sem voz e sem rosto que trabalharam no canal.

A introdução de Kayla no mundo da Fox News é brutal, sem cerimônias, onde Robbie entrega uma atuação de tirar o chapéu. Durante uma passagem, onde a funcionária consegue uma reunião com o presidente, Robbie e Lithgow protagonizam um dos momentos mais chocantes e impactantes do longa quando a apresentadora pede mais destaque nos programas do canal, a cena é intensa e incomoda, mas explica bem um pouco o que as funcionárias viviam. Lithgow como Ailes está completamente repulsivo e se destaca entre as atuações masculinas que o longa oferece. 

O Escândalo faz uma narrativa provocadora para cima do espectador que nos faz analisar tudo que é apresentado pelas figuras loiras, com vestidos curtos, e excesso de maquiagem. Por mais que o roteiro acabe se perdendo em alguns momentos em não se aprofundar em discutir os fatos, e sim, em apresentar e contar como aconteceram, o longa se garante pelas ótimas atuações do elenco principal. 

Em O Escândalo temos um olhar sobre eventos recentes, mas que moldaram as relações de trabalho não só nos EUA quanto em todo mundo que coloca uma luz em situações que há vários anos eram apenas jogadas para debaixo do tapete e que muitos viraram as caras para o outro lado. O Escândalo então quebra o vidro e deixa a luz entrar e iluminar um pouco e isso dá, e muito, pela força dos nomes envolvidos na produção.

Temos, no final, um filme que fala sobre um assunto necessário e que não se pode mais fazer vista grossa. Em O Escândalo temos uma interessante, atual e impactante história sobre os tempos modernos. 

Filme visto no Festival do Rio 2019 em Dezembro.

Nota:

O Escândalo chega em 16 de janeiro nos cinemas nacionais.


Miguel Morales
Miguel Moraleshttp://www.arrobanerd.com.br
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