A trajetória de Fúria Primitiva (Monkey Man, 2024) é uma das mais interessantes dos últimos tempos na indústria do cinema. Talvez, uma até mais interessante que o filme em si. Dirigido por Dev Patel, o longa é uma virada interessante na carreira desse ator, aqui sempre lembrado e tachado como a próxima grande promessa em Hollywood depois de estrelar Quem Quer Ser um Milionário? lá em 2008. E ao decidir dirigir, escrever e atuar no longa que iria sair na Netflix, ficou claro a ambição de Patel para se colocar em outro patamar em Hollywood e tentar uma coisa mais comercial, ainda mais num streaming como a plataforma que realmente conseguiu produzir alguns hits ao longo dos anos.
O longa entrou em produção, foi gravado, mas pouco se falou dele nos anos seguintes, marcado pela pandemia e pelas greves dos atores e roteiristas em 2023. Até que surge a notícia que o prestigiado produtor Jordan Peele iria se envolver no projeto, e Fúria Primitiva em vez de sair no streaming, teria um lançamento nos cinemas, pelo menos nos EUA, pela Universal Pictures.
Um conto de Cinderela assim por dizer e que mostra a importância das ideias originais e do cinema de gênero. O trailer do filme bombou nas redes sociais no começo do ano (até agora mais de 20 milhões de visualizações), Patel fez a press tour do filme com lançamento no festival SXSW, Fúria Primitiva fez seus trocados e depois seguiu para o formato de lançamento digital tradicional do estúdio. Por mais que tenha tido seu momento no primeiro trimestre do ano, e estado nas conversas on-line, e nos debates, parece que agora, ao chegar nos cinemas nacionais, com um pouco de atraso, tenha perdido um pouco do seu hype.
Mas não se engane, Fúria Primitiva vale sim o ingresso é uma excelente aposta de Patel no gênero, onde esse longa de porradaria não só serve para introduzir Patel na cadeira de diretor, e marca sua estreia na direção de uma forma super empolgante, mas que também acerta ao contar uma história de vingança daquelas bem tradicionais, só que em solo indiano.
Marcado por três grandes atos, Fúria Primitiva mistura comentários sociais, com a História da Indiana, e também uma boa dose de porradaria. As comparações com John Wick são inevitáveis, mas talvez, seja isso que o material promocional do longa, seja o americano, seja o nacional, queira te passar para vender esse filme da melhor forma e atrair o espectador com o conhecido e que fez sucesso. Mas sinto que no final das contas Fúria Primitiva é muito mais que isso. Afinal, na medida que a história deste personagem principal, interpretado por Patel, se mescla com a mitologia do Deus indiano Hanuman, essa trama se desenvolve na medida que esse jovem busca vingança contra aqueles que destruíram sua vila e mataram sua mãe (Adithi Kalkunte).
E se Fúria Primitiva segue a cartilha desses filmes de ação, Patel garante que pelo menos tenhamos uma frenética e agitada experiência. A forma como a câmera roda, gira, e te deixa preso desse filme é uma que chama atenção e pode deixar algumas pessoas “cansadas” com algumas cenas. E mesmo que Fúria Primitiva possa não chegar rapidamente nas cenas de ação logo de cara, sinto que a primeira parte é realmente ágil ao entregar dois socos no peito.
Eu lembro ter ficado impressionado com o tanto que o primeiro arco demandou e me empolgou, onde eu achei que já tinha passado boa parte do filme e olhei no relógio e ainda teríamos mais um outra hora do longa. Talvez por misturar as cenas de ação com a mitologia indiana, Fúria Primitiva acaba por ser um filme bastante imersivo narrativamente falando. Seja por conta dos personagens interessantes, mesmo que alguns um pouco genéricos para o gênero, seja por conta dos devaneios e a mistura com a lenda, seja pela forma como a história é contada e as motivações aqui apresentadas.
Meio que Fúria Primitiva se desenvolve como um jogo (lembram daquele jogo do Aladdin antigão?) onde temos etapas que o protagonista precisa passar e “chefões” para serem introduzidos, combatidos e vencidos. É simples, não chega a inovar no gênero, mas cumpre seu papel, sem dúvidas. Na medida que o jovem consegue um emprego em um exclusivo clube de elite para “fazer o trabalho que ninguém quer” e convence a chefona barra-pesada Queenie (Ashwini Kalsekar) que é uma pessoa de confiança, ela ainda faz “amizade” com outro debochado funcionário chamado Alphonso (Pitobash, um bom alívio cômico e com boas cenas ao lado de Patel), vemos que o jovem também vive por lutar em um “clube da luta” clandestino como a figura do Homem-Macaco para ganhar uns trocados.
Assim, fica claro que na busca por vingança, o nosso protagonista vai precisar ser mais esperto e sagaz do que seus adversários se ele não quiser cavar duas covas como diz o ditado. Afinal, o jovem é um garoto com um plano, mas todo plano é tem uma falha, certo? Fúria Primitiva então coloca esse personagem em rota de colisão para acabar com essas figuras influentes, que vão desde do chefe de polícia Rana (Sikandar Kher) até outros ricaços que frequentam o lugar, onde em uma determinada parte do filme, temos um cena de luta no banheiro tão boa como há tempos não via. Talvez desde de Henry Cavill saindo no soco com Tom Cruise em Missão: Impossível – Efeito Fallout lá em 2018?
E na medida que o jovem precisa recalcular a rota da sua vingança e recebe apoio espiritual de um grupo de uma comunidade religiosa chamada Hijra (pessoas que adoram a Deusa Bahuchara Mata) e parte para terminar aquilo que começou. É o respiro do filme, onde os roteiristas (Patel e também Paul Angunawela e John Collee) preparam o terreno para a “batalha final” onde o jovem precisa chegar em quem realmente manda e desmanda na sociedade, o líder espiritual Shakti (Makrand Deshpande).
Assim, Fúria Primitiva entrega dois “capítulos” cheio de ação, e um intermediário que serve como a jornada desse herói em que a História da Índia se mescla com a história desse personagem, onde os paralelos e as alegorias fazem uma tapeçaria tão bonita de se ver e que fica mesclada com as intensas cenas de ação que se dão nas outras duas partes.
No final, Fúria Primitiva usa suas cenas de luta para falar sobre política, religião e fazer um retrato social dessa Índia que mescla o contemporâneo com tradições milenares. Patel usa seu talento como ator para contar essa história e ao mesmo tempo que como diretor, entrega um filme de ação sangrento e visceral. Como ator, já mostrou para que veio, agora como diretor plantou sementes para o que pode vir pela frente, onde mesmo que Fúria Primitiva não seja um grande hit, pelo menos serviu para isso. Se eu fosse vocês, como disse um dos personagens no longa, eu apostaria também no Macaco.
Fúria Primitiva chega em 23 de maio nos cinemas.