Após Nasce Uma Estrela (2018), o ator Bradley Cooper comprovou que também era um bom diretor. E os anos se passaram, e a expectativa para o próximo projeto de Cooper só crescia, na medida que Hollywood ficava no aguardo para vermos se o ator transformado em diretor repetiria o feito ou se o longa comandado por ele, e estrelado ao lado de Lady Gaga era apenas uma combinação de diversos fatores que deu certo ou realmente tínhamos alguma coisa interessante aí.
E com Maestro (2023), que chega na Netflix depois de passar por alguns festivais e por uma breve passagem nos cinemas nacionais, a resposta é a mais clara possível: Cooper é sim um bom diretor.
Cooper interpreta um condutor de música clássica, mas também conduz o filme com uma maestria gigante. E com Maestro, ele só não acerta na parte técnica, nos visuais, como também acerta, principalmente, no tom do roteiro (escrito ao lado de Josh Singer) e na forma como humaniza essa história e esses personagens.
E Cooper sabe que esses personagens, são mais que personagens fictícios, foram pessoas reais, que viveram boa parte dessas tramas contadas aqui, e suas decisões tiveram influência na vida de várias outras, dos filhos, para os parceiros amorosos, para os colegas de profissão e amigos.
E aqui com Maestro, Cooper não foge dos momentos mais espinhosos que cercaram a vida do casal Leonard Bernstein e Felicia Montealegre e se debruça em entregar a complexidade humana, e do amor, da forma mais interessante possível para esse tipo de história.
E para isso, Cooper se transforma (é mais do que apenas colocar uma prótese de nariz falso) para dar vida a Leonard. E em Maestro, o ator além de se comprovar um diretor talentoso, realmente mostra também que também bem mais do apenas um ator de comédia pastelão que o levou ao estrelado em Se Beber, Não Case! nos anos 2000. No longa, Cooper acerta e muito ao nos apresentar para esse músico assistente da Filarmônica de Nova York que vivia num contexto social dos anos 40 onde a sexualidade era livre até um certo ponto, e por mais que tivesse diversos parceiros, Leonard sentia a pressão de moldar para as normas da sociedade para avançar na carreira.
Até mesmo seu casinho da época, David (Matt Bommer) já estava casado com uma mulher e com filhos, como vemos em uma das cenas logo do começo do filme. E além da vida pessoal, Cooper se aprofunda na vida profissional, onde o longa se passa em um momento cultural americano de empolgação, onde um obstinado Leonard queria deixar sua marca no mundo ee foi um dos responsáveis em colocar os EUA no mapa quando se tratava de música clássica.
E se Cooper é alma do longa, a parceira de cena, a talentosa, e que aqui mais uma vez valida esse adjetivo como ninguém, Carey Mulligan transcende em uma de suas melhores atuações, do ano, e é o coração do longa. Mulligan faz mais do que a esposa traída, a esposa que não sabia nada, ou a esposa que baixava a cabeça.
A Felicia de Mulligan se esconde em diversas camadas, é no olhar, são nos pequenos jeitos que a atriz vende e entrega essa personagem complexa e cativante de se assistir para vermos até onde vai esse conto de fadas entre essas duas figuras, que antes de qualquer coisa, fica claro que se amavam em suas próprias e conturbadas maneiras.
A história é tão interessante de se assistir, os personagens tão fascinantes, que o longa que começa em com uma formatação e preto e branco e depois muda para outra formatação, fica colorido, e isso se torna apenas um detalhe em Maestro.
Afinal, particularmente eu estava tão entretido, e vidrado nas dinâmicas que Cooper e Mulligan apresentavam e tela, com os personagens assumindo o compromisso mesmo ela sabendo da sexualidade dele, e os dois construindo essa vida, suas carreira no mundo das artes (ela era atriz de teatro) juntos que depois de um tempo, em um dos respiros do filme, eu fiquei: nossa mudou para o colorido quando?
Bem mais do que um filme biográfico tradicional, Maestro faz um retrato elegante e sofisticado de uma época, e de uma sociedade americana, que é impulsionado pelas atuações não só da dupla principal, mas também do elenco de apoio. Temos diálogos incríveis, cenas absurdamente boas, e trocas entre atores e personagens que ajudam a contar essa história.
Em uma determinada cena, lá para frente na trama, com os personagens já mais velhos, e com filhos, vemos a personagem da atriz Maya Hawke, uma das filhas do casal, confrontar o pai sobre rumores que andavam circulando sobre ele, que representa muito bem, a complexidade dessa história e da vida que o casal queria viver.
Das cenas mais íntimas, e contidas, e que muitas se passam em um cômodo só, principalmente quando vemos Felícia já debilitada e com câncer, até as cenas mais grandiosas quando vemos Leonard, já nos anos 70, se apresentar com a Orquestra Filarmônica de Londres em uma das cenas mais caprichadas do ano, Maestro consegue se apoiar na emoção, e em encontrar a humanidade dessas pessoas, escondidas atrás de partituras, festas glamorosas, apresentações musicais, e a busca por perfeição.
Nada é fácil, ou preto no branco, ou 8 ou 80 aqui. Principalmente quando o filme chega nos tempos mais atuais, Felícia já não está mais entre nós, e Leonard se vê sozinho, sem sua parceira, Maestro navega pela zona cinzenta dessa história e faz com que saíssemos deslumbrados com a forma como tudo é desenvolvido, como tudo é apresentado, e mostrado em tela.
No final, entre histórias contadas, momentos não ditos, e uma reflexão incrível, Cooper entrega com Maestro um longa apaixonante, visualmente caprichado e que realmente acerta uma nota alta ao nos fazer embarcar nesse mundo que mistura música clássica e com relações humanas.
Maestro chega em 20 de dezembro na Netflix.
Filme visto na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.