terça-feira, 05 novembro, 2024
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“Foi muito difícil de fazer” afirma Fernanda Torres sobre trabalho em Ainda Estou Aqui, o representante do Brasil para o Oscar.

A trajetória de Ainda Estou Aqui é uma que começou já tem um tempo e que começou a ganhar força agora na metade de 2024.

O novo longa do diretor Walter Salles surgiu na lista de filmes na competição oficial do Festival de Veneza lá em julho e estava correndo ao prêmio máximo no meio de outros títulos badalados como Coringa 2 (que retornaria ao festival depois de ter dado o prêmio de atuação Joaquin Phoenix lá em 2019), O Quarto Ao Lado (o novo filme do diretor Pedro Almodóvar e o primeiro dele em língua inglesa e que viria a levar o Prêmio do Leão de Ouro semanas depois) e ainda Maria (com Angelina Jolie e o novo do diretor Pablo Larrain) e também Babygirl (da diretora Halina Reijn, com Nicole Kidman e que deu o prêmio de Melhor Atriz no evento para a veterana).

Entre as estreias no festival italiano, marcado pelo desfile de estrelas e nomes conhecidos de Hollywood, a protagonista de Ainda Estou Aqui, a atriz Fernanda Torres e o colega Selton Mello também desfilaram na pré-estreia do longa por lá. E sendo extremamente bem recebido, o longa também passou pela bateria de matérias que envolvem (a polêmica) contagem de minutos que cercam os festivais lá de fora, onde acabou que Ainda Estou Aqui foi um dos mais aplaudidos após a sessão no festival italiano.

Ainda Estou Aqui teve 10 minutos de aplausos em Veneza, para aqueles que acompanham. [Via Variety]. E ainda na premiação, dias depois, a expectativa era grande para vermos se o filme levaria algum prêmio. E sim, o Brasil premiado para alegria de todos que acompanharam a transmissão no site da La Biennale em pleno domingo.

Os roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega levaram Melhor Roteiro com o longa no Festival italiano. E de lá para cá, Ainda Estou Aqui foi escolhido para ser o Representante Brasileiro para tentar uma vaga no Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional, passou pelo festival de Toronto, no Canadá, no Vancouver International Film Fest, também no Canadá, onde levou o prêmio do público, e por diversos outros ao longo da jornada que tem sido levar esse projeto para ser visto pelo maior número de pessoas possíveis.

E claro, chegou a vez dos brasileiros ver o longa, que teve sessões lotadas na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e com ingressos que se esgotaram em questões de segundos. 50 segundos era o número que circulava nos dias do festival, para aqueles que acompanhavam. E Ainda Estou Aqui levou também o Prêmio do Público de Melhor Filme de Ficção Brasileiro na edição 2024. E continua a ser exibido e debatido ao redor do mundo.

Baseado no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, o longa se passa no Rio de Janeiro, no início dos anos 70 e o  país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. No centro da narrativa temos uma família, os Paiva: Rubens (Melo), Eunice (Torres) e seus cinco filhos (interpretados por Valentina Herszage, Barbara Luz, Luiza Kosovski, Guilherme Silveira e Cora Mora). Todos eles vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos e vizinhos. Um dia, Rubens Paiva é  levado por militares à paisana, desaparece e nunca mais volta para casa.  Eunice , cuja a busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas ,  é obrigada a se reinventar e traçar um novo  futuro tanto para si, quanto para seus filhos.

Reunidos para coletiva de imprensa do filme em São Paulo, Fernanda Torres, Selton Mello, o diretor Walter Salles e Marcelo Rubens Paiva comentaram um pouco da trajetória do filme nos festivais internacionais, as expectativas para o filme na temporada de premiação, e outras curiosidades sobre Ainda Estou Aqui.

Confira os destaques:

Foto: Sony Pictures/All Rights Reserved.

A INSPIRAÇÃO E A VONTADE DE QUER CONTAR ESSA HISTÓRIA.

Para Walter Salles a oportunidade retratar a história vista em Ainda Estou Aqui, o livro do autor Marcelo Rubens Paiva era basicamente única. “Não é todo dia que surge um livro como o do Marcelo.” afirma ele.

O ponto de partida para fazer Ainda Estou Aqui realmente foi o livro, a possibilidade de poder contar a história de Eunice Paiva, e o contexto histórico que o longa se passa, nos anos da ditadura. Salles comenta “[O livro] retraça não somente a memória da família dele, na memória pessoal, mas ao mesmo tempo retraça a história do Brasil ao longo de várias décadas, né? Então essa superposição entre o pessoal e o coletivo que sempre me interessou no cinema, no livro foi ainda potencializado pelo fato de nesse processo, que a mãe dele Eunice, tinha sido uma personagem absolutamente central dessa história ao longo do tempo.”

E o longa também é um extremamente pessoal para o diretor, já que ele conhecia as figuras aqui retratadas no longa e frequentou a casa em que os Paiva viveram na época e e que serve de ambientação para vários momentos do filme. Salles comenta: “E aí se soma a isso, tinha as minhas memórias pessoais que eu tinha da família, e da casa, porque eu tive a sorte de ser amigos, aos 13 anos, de Nalu, que é umas da irmãs, a do meio, de Marcelo, e eu tive a possibilidade de conhecer a casa, que tá no meio de tudo, tá no centro no coração do filme. A casa, aliás, é um personagem do filme.” conclui o diretor.

E o processo de tirar o filme do papel, foi um que demorou. 7 anos em desenvolvimento, Ainda Estou Aqui teve 20 versões de roteiro e em todas elas a vontade era de representar a família da forma mais justa possível ao contar essa dolorosa história.

Salles comenta: “Nosso desejo [com o filme] era tentar reabrir aquela casa e tentar compartilhar com uma audiência. Um processo como esse, que depende da memória, e que tem haver com a memória, e com tantos personagens, não é um processo rápido, e por isso que demorou sete anos. Não teríamos chegado lá sem o talento incrível do Murilo e do Heitor que foram reescrevendo, a gente filmou que a versão número 20 do roteiro né?” conta.

E completa: “Eles nunca cessaram de tentar encontrar a forma mais justa para reencontrar aquela família, a honestidade daquele estar no mundo que aparece nos primeiros 30 minutos do filme e a partir daquilo retratar a ausência do pai, retratar a dor, retratar tudo aquilo que ecoa ao longo do tempo e junto com isso entender as formas de reinvenção de Eunice, em decorrer daquela tragédia. E é um trabalho incrível que também não teria sido possível se o Marcelo não tivesse retro alimentado esse processo todo e de novo nos alimentando e nos dando informações o tempo todo.”

Salles também diz que “O que os levou para dentro desse filme foi o desejo de reencontrar essa família, a honestidade dessa família, o de estar no mundo dessa família, né? Os 30 minutos iniciais do filme tenta trabalhar com aquela casa, como personagem dentro daquela casa mostrando que tipo de relações humanas viveram pulsavam ali. Eu acho que ele tinha um desejo de um país, tinha um sonho de um país que ainda vigorava aquele país lá de trás, né? com uma nova arquitetura com uma nova música, um cinema novo, uma nova poesia, uma nova educação do Paulo Freire e alguma forma, algo ali, foi ceifado, tirou isso daquela família, e do Brasil. Essa família sempre foi um microcosmo do Brasil que foi ceifado, que foi roubado, de um projeto de país possível. Todos nós estávamos movidos a isso.”

Fernanda Torres em cena de Ainda Estou Aqui. Foto: Sony Pictures/All Rights Reserved.

FERNANDA TORRES FALA SOBRE AS COMPLEXIDADES DE EUNICE PAIVA

De dona de casa, esposa de um senador, para viúva, estudante de direito, vítima da ditadura, advogada e ativista social. A vida de Eunice Paiva foi uma marcada por diversos momentos. E Fernanda Torres comentou, durante, a coletiva, como foi para ela trabalhar para trazer em tela todas as complexidades dessa figura tão humana.

O trabalho de Torres para compôr a Eunice foi com as entrevistas e o livro de Paiva. “As entrevistas dela! Tinha o livro que o Marcelo tinha escrito e que eu li antes do Walter me convidar…. mas eu queria também saber quem era ela.” afirma a atriz.

“[Ela] Sempre [parecia transmitir] uma enorme inteligência, com um sorriso irremovível. Assim, ela não se movia da sua convicção. E foi difícil de encontrar. Eu sou, talvez, mais bruta, que a Eunice e eu lembro de fazer [as minhas cenas] e o Walter vinha e falava: Olha tá faltando o sorriso, tá faltando Eunice, tá Nanda demais.” E ele foi me regulando para ela.” diz.

Torres também comenta sobre a complexa humana de Eunice. A atriz comenta as diversas facetas de Eunice ao longo do filme e que são retratadas e representadas por ela. “Primeiro, ela é uma mulher do lar, embora muito inteligente você percebe, mas que ela serve o cafezinho, ela põe a criança para dormir, ela era uma mulher dos anos 50, tutelada pelo marido, mãe de família e a tragédia rompe com aquele mundo idílico, daquela família em frente à praia, com aqueles amigos, com aquela festa.”

E o clima dos bastidores era assim também. Afinal, Salles e o time de produção gravaram o filme de forma cronológica dos acontecimentos que a família Paiva viveu. E isso afetou, também, a atriz e o elenco durante as gravações. Torres comenta: “A gente viveu isso no filme, foi feito cronológico e então a gente viveu isso, intensamente! Aquela festa [retratada no começo do filme], era festa com os nossos amigos, com as crianças, as meninas, o cachorro. E no dia [que gravamos a cena] que o Selton foi levado, eu pensei, como atriz, o Selton amanhã não vai tá aqui! Era tudo misturado. Walter fez isso o tempo todo essa mistura entre personagem e e ela.”

E Torres comenta também mais sobre as complexidades da personagem em sua visão. “E quero comentar também sobre as contradições de Eunice, já que o Estado impõe a ela um silêncio, uma não resposta sobre a morte do marido, e ela faz o mesmo com os filhos, só que de outra maneira, mas ela se mantém silêncio, eu acho que para preservar a inocência dos filhos porque era um ato tão arbitrário, tão injusto. Então como explicar isso para crianças de 9 a 18? Então ela deixou que cada um resolvesse a morte do pai a seu tempo, o que por um lado é assustador e pelo outro é compreensível, então é isso. A mulher é cheia de contradições, assim, foi muito difícil de fazer. “

E sobre trazer Eunice para as telas e como foi trabalhar na preparação para o papel, Torres comenta sobre o que era a regra número 1 no set de Ainda Estou Aqui. “E eu acho que a atuação é baseada numa coisa que o Walter fez no filme todo que é a subtração. A música não te empurra, a câmera não te empurra, as cenas não são melodramáticas, o filme não sofre por você, o filme pelo contrário, ele contém ele assim, te restringe assim de certa forma, e isso vai criando acho que no público a cumplicidade.”

O PROCESSO, FÍSICO E MENTAL, DE CARACTERIZAÇÃO DE SELTON MELLO PARA VIVER RUBENS PAIVA

Selton Mello em cena de Ainda Estou Aqui. Foto: Sony Pictures/All Rights Reserved.

Para viver o deputado Rubens Paiva, o ator Selton Mello precisou encarrar uma transformação física bastante intensa para viver esse personagem e comentou sobre a questão no dia de imprensa do filme, juntamente com outras curiosidades de bastidores sobre Ainda Estou Aqui.

“Foi uma transformação física grande, foram 20 kg na verdade. Era muita coisa. Inclusive, depois foi difícil de perder peso, já com 51 anos, foi bem difícil, mas tudo bem o personagem precisava disso para dar esse caráter de paizão e como era a própria figura do Rubens mesmo, mas isso, na verdade, é uma parte do negócio, parte do trabalho. Acho que a parte mais legal de falar, [é que Ainda Estou Aqui proporcionou] a beleza dos encontros. No caso da Nanda, é um reencontro, de uma parceria tão grande com o Valtinho, um encontro com o Marcelo que eu sou fã, amigo, há muitos anos. Eu sou da geração que foi completamente impactada pelo Feliz Ano Velho, eu amo o Marcelo, respeito o Marcelo, nunca imaginaria na vida que faria o pai do Marcelo. Tem sido muito emocionante, gente, não vou mentir.” diz ele emocionado.

O trabalho de caraterização de Mello para viver Paiva foi na base do trabalho de reviver fotos. Apenas. Sem outro tipo de contato com outra mídia visual, igual fez a colega Fernanda Torres. Melo comenta: “Eu tinha fotografias do Rubens para para servir de guia. Eu não tinha nenhuma imagem em movimento, então não vi vídeos do Rubens, eu vi fotos e ouvi coisas sobre o Rubens, do Marcelo, das irmãs e amigos então eu tava querendo entender como imprimir na tela o espírito do Rubens. Por isso que eu digo sempre que é minha missão nesse filme era iluminar essa primeira metade do fundo espiritualmente falando mais do que tecnicamente falando.”

EXPECTATIVAS PARA AINDA ESTOU AQUI NA TEMPORADA E DE CHEGAR NO OSCAR

Mais de 25 anos depois que Central do Brasil, dirigido por Walter Salles, ter sido indicado ao Oscar, e Fernanda Montenegro (que está aqui no filme) a grande expectativa é que Ainda Estou Aqui também entre nas categorias principais e seja não só indicado em Melhor Filme Internacional como também outros filmes. Os indicados serão anunciados em Dezembro, para aqueles que acompanham.

Sobre a possibilidade, o diretor comenta sobre as chances e o que mudou de lá para cá. “Olha primeiro, eu acho que mudou um pouco nesse específico a maneira como as pessoas abordam que seria uma trajetória nessa direção, né? Até porque mudou a configuração da Academia [Academia de Artes e Ciências Cinematográficas] e eu devo dizer que tudo que eu vou falar agora, eu não sabia tá? Aprendi nessa caminhada de festivais, mas mais na metade dos votantes hoje, ou a metade dos votantes, não moram no eixo, sabe aquele eixo estreito entre Nova York e Los Angeles. E antigamente para esse, para essa premiação, você tinha o filme tinha que ser visto ali, hoje é isso essa realidade foi completamente, é reconfigurada e só a França por exemplo tem 200 votantes na Academia. É gente à beça” diz ele.

E completa: “Então se você soma Europa, País Asiáticos, América do Sul, você chega a metade dessa conta. E para isso, a única maneira de você realmente atingir essas pessoas todas, é olha que maravilha, é o velho e maravilhoso festival, como a Mostra. […] E hoje fazer uma campanha, como as pessoas perguntam, é simplesmente ir acompanhando o filme nos festivais. Porque é a única maneira dos volantes verem o filme. Claro, depois eles podem acessar, os mais preguiçosos vão acessar no app, da Academia. Mas é tão melhor quando tem um contato pessoal e depois a gente fez vários, que eles chamam de Q&A, que são perguntas e respostas, e eu acho que uma campanha se deflagra, uma campanha de um filme, como o nosso, perdão, pensado de uma forma independente e que a gente resolveu fora do Brasil trabalhar a produção com a França com mesmo pequeno, co-produtor de Central do Brasil, o filme dos Aliados desse filme são pequenos distribuidores independentes no mundo todo.

Teria sido muito mais fácil, ter pegado, não vou citar o nome, mas vocês sabem, uma dessas das grandes máquinas internacionais de streaming que iriam tratar aí, como é um golpe só. Só você ai não precisaria fazer essa sequência toda de festivais, mas é maravilhoso fazer essa sequência porque se aprende a cada pergunta você aprende alguma coisa, eu acho que a gente tá fazendo, com um prazer porque a gente oferece alguma coisa e eles vão e complementa o filme de outro.”

Já Torres comenta: “Só sobre a questão de premiação, ele falou tão bonito, mas eu vou completar aqui. É porque fica essa coisa do prêmio e eu eu só queria dizer que esse filme ele já tá ocupando, o que ele tá ocupando, as críticas [que tem recebido], a gente tá na short-list de coisas muito grandes, como para o tal do Oscar, né? Que parece a fronteira final que nós teremos que atingir ou sei lá. é tipo o Himalaias. [diz brincando].

Então eu só queria dizer assim, eu acho que o filme tem grande chance de estar entre os filmes estrangeiros, estamos trabalhando para, talvez, outras categorias, mas, o filme ele já é um acontecimento pra gente, já tá no mundo, já é uma porta de entrada para o mundo. Então assim, eu acho que o Oscar, é muito importante por várias questões, mas ele também não é a medida de tudo, sabe? Eu não queria que no final todo mundo acabasse “Ahh” sabe? Quando as pessoas falam do prêmio da mamãe, eu tento explicar que quando um ator brasileiro, falando português, é nomeado ele já ganhou, pode estourar a champanhe, entendeu? Vai para lá sem expectativa porque não vai levar…..Então é só explicar isso para as pessoas já ficarem contentes, entendeu?”

As short-list do Oscar serão anunciadas em 17 de Dezembro de 2024. Com distribuição nos EUA da Sony Classics, as indicações ao Oscar 2025 serão conhecidas em 17 de janeiro de 2025. A cerimônia do Oscar acontece em 2 de março de 2025.

Ainda Estou Aqui chega em 7 de novembro nos cinemas nacionais.


Miguel Morales
Miguel Moraleshttp://www.arrobanerd.com.br
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